sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Não vamos ficar de fora da crise

Semana de 28 de julho a 03 de agosto de 2008

Nos EUA, foi criado um critério para determinar quando uma economia entra em recessão. Segundo este critério, só se considera que há recessão quando há uma queda do Produto Interno Bruto (PIB) por dois trimestres consecutivos. Baseado nessa definição, o NBER, organização privada de pesquisa, identifica o começo e o fim das recessões. Só na semana passada, eles divulgaram a conclusão de que a economia americana sofreu uma recessão na virada de 2007 para 2008. Finalmente descobriram o que nós, do Progeb, já havíamos previsto, desde o ano passado.
Mais atrasado ainda está Alan Greenspan. Para ele, a economia americana ainda esta “à beira” de uma recessão. Greenspan disse que, diante da atual situação financeira, ficará surpreso se a recessão não acontecer, e que, quanto aos preços residenciais, o mercado americano ainda está muito longe de atingir o fundo do poço. Acrescentou ainda que as instituições financeiras Fannie Mae e Freddie Mac eram “um desastre esperado para acontecer” e sugeriu que o governo deve nacionalizar as duas agências e reestruturá-las em cinco ou dez entidades, dando-lhes mais capital para depois devolvê-las ao mercado.
Este é mais um exemplo da utilização do Estado pelos grupos capitalistas. Na hora do prejuízo, socializem-se as perdas (com o dinheiro dos contribuintes), e na hora dos lucros, entreguem-nos novamente aos empresários privados.
Adiantado nas previsões está Paul Krugman, professor de economia da Universidade de Princeton, que já prevê uma próxima crise muito pior que a atual. Para ele, “é tarde demais para evitar esta dor. Porém, nós podemos procurar evitar que novas e maiores crises apareçam no futuro”.
Apesar da crise, e contrariando as expectativas, em julho, as empresas norte-americanas criaram cerca de nove mil novos empregos, o que não compensou os resultados dos seis primeiros meses do ano. Os dados do Departamento do Trabalho dos EUA mostram que, no semestre, em média, nas folhas de pagamento das empresas privadas, foram eliminados 94 mil postos de trabalho por mês.
Enquanto o FMI não avista, no horizonte, o fim da crise nos EUA, parece que, no Brasil, ela começa a dar as caras. Pelo menos é o que sugerem os dados do PIB. Segundo os economistas da Confederação Nacional da Indústria (CNI), a atividade industrial já apresenta os primeiros sinais de desaceleração, com o aumento dos estoques, o que é agravado pelos problemas de acesso ao crédito graças à elevação dos juros, patrocinada pelo governo. Essa também é a visão da Fundação Getúlio Vargas (FGV), que, além disso, prevê, nos próximos trimestres, um crescimento dos preços na indústria de transformação, como conseqüência da elevação dos custos.
Os números do crescimento da economia, no primeiro semestre do ano, são positivos, mas, de acordo com uma sondagem da CNI, as previsões apontam para uma possível mudança de ritmo na economia, no segundo semestre.
Segundo Flavio Castelo Branco, gerente de política econômica da CNI, o que deve ocorrer, ao longo do ano, é “uma adequação do ritmo. Começamos com um ritmo forte, refletindo o final do ano passado. A duvida é se a acomodação será mais lenta ou forte”.
Não só a alta da taxa Selic é apontada como culpada, mas, para os próximos dois anos, o cenário externo volta a ter peso significativo. Cláudio Porto, diretor-presidente da Macroplan, aponta três elementos de preocupação: a crise dos Estados Unidos, que deve se agravar, a generalização da inflação mundial, causada pela alta acentuada dos preços dos alimentos e das commodities industriais, e a maior volatilidade das cotações do petróleo. Para o economista, atualmente há um efeito simultâneo entre pressão de demanda, por haver mais pessoas consumindo, e pressão de custos. Mesmo não estando em um céu de brigadeiro, Porto aposta que a economia brasileira ainda vai manter o crescimento, este ano, pelo efeito inercial: “este ano sentiremos um ajuste suave. O aperto mais forte virá em 2009”, quando a taxa de crescimento do produto deve cair para 3,5%.
Para piorar ainda mais a situação, as transações correntes, um dos principais indicadores das contas externas, apresentaram, no primeiro semestre, o pior resultado desde o início da série histórica do Banco Central do Brasil em 1947. Puxado pelas remessas de lucros e dividendos de empresas com sede no exterior, pela queda do superávit da balança comercial e pelo aumento dos gastos de brasileiros no exterior, o déficit atingiu, em junho, US$ 2,596 bilhões.
Já o superávit primário, economia feita pelo Governo Central, Estados e Municípios para o pagamento dos juros da dívida pública, somou R$ 86,1 bilhões, o maior desde o início da série histórica do BC em 1991. A cifra equivale a 6,19% do PIB e foi impulsionada pelo aumento da arrecadação tributária. Especialista em contas públicas, o economista Raul Velloso acredita que o Brasil “ainda não caminha” para zerar o déficit nominal por causa dos juros elevados, que aumentam automaticamente as despesas.
A dívida tem crescido em virtude da elevação da taxa básica de juros, Selic, que é justificada pelo BC, como meio de conter o aumento da inflação, que, na opinião de muitos analistas, já atingiu o seu pico e tende a diminuir agora.
O grau de investimento conferido ao Brasil por duas agências de classificação de risco acenava como uma dádiva caída do céu para a economia brasileira. Como não podia deixar de ser, o “upgrade” foi trombeteado pelo governo quase a exaustão. E o mercado de ações acompanhou a euforia. Quando os especuladores consideraram que as cotações já tinham alcançado o nível conveniente, decidiram vender e buscar novos nichos mais seguros para aplicar o dinheiro. Nesse momento, e por mera coincidência, o Banco Central, salvador dos capitais especulativos, tratou de aumentar a taxa Selic em 1,75% de abril para cá. O resultado foi a migração das aplicações, dos “investidores” estrangeiros, para os papéis de renda fixa.
Talvez a verdadeira intenção do BC seja mesmo garantir a remuneração dos capitais especulativos, o que, convenhamos, é menos indecente do que comprar instituições financeiras quebradas, como está sendo feito pelo governo americano.
Apesar da elevação da taxa Selic, das ameaças inflacionárias e dos aumentos da alíquota do Imposto sobre Movimentação Financeira (IOF) e da taxa de compulsório sobre as empresas de leasing, as operações do sistema financeiro mantiveram a fôlego. O Banco Central informou que, em junho, o estoque de recursos emprestado atingiu R$ 1,067 trilhões, o equivalente a 36,5% do Produto Interno Bruto (PIB). É a maior participação deste setor no PIB, desde janeiro de 1995, quando chegou a 36,8%. Mas, o Banco Central afirma que está acompanhando o crédito e pensa que o aumento da taxa de juros restringirá a demanda.
Mas, preocupado com a situação das empresas que atuam no comércio exterior e que estão visivelmente penalizadas por conta da valorização da moeda brasileira, que neste ano já acumula mais de 11,5%, o governo liberou R$ 3 bilhões em crédito dos recursos destinados à nova política industrial.
Outra medida para tentar proteger o setor foi a prorrogação, até 2010, da redução de 14%, para 2%, do Imposto de Importação, na compra de máquinas e equipamentos destinados ao setor produtivo sem similar nacional. O beneficio deveria terminar no primeiro dia de dezembro deste ano.
Outro fator que corrobora com as nossas previsões de que a economia brasileira estaria entrando em recessão são as informações sobre a criação de emprego. Os dados da Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED), elaborada pela Fundação Seade e pelo Departamento Intersindical de Estatística e estudos Socioeconômicos (Dieese) referentes a junho, revelam uma leve queda na criação de empregos formais no setor privado, que apresentou redução de 0,3%, em junho, comparado a maio.
Há uma nuvem negra pairando sobre a economia brasileira, mas temos que esperar para ver se é apenas uma chuva ou se o Banco Central, aumentando ainda mais as taxas de juros, vai contribuir para transformá-la em uma tempestade.

Texto escrito por:
Nayana Ruth Mangueira de Figueiredo: Professora do Departamento de Economia da UFPB e Pesquisadora do PROGEB – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira. (progeb@ccsa.ufpb.br)

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domingo, 10 de agosto de 2008

De “bolha” em “bolha”, a crise continua

Semana de 21 a 27 de julho de 2008

Na Análise da semana passada, já prevíamos que a bolha das commodities estouraria. Pois bem, o estouro já começou. Como também já afirmamos antes, a elevação dos preços destes bens não tinha como causa fundamental o aumento da demanda, mas sim a especulação do capital financeiro, enlouquecido e desesperado, à procura de aplicações alternativas, já que as ações e títulos negociados nas bolsas de valores não mais mereciam confiança. Começaram a comprar e vender papéis que representavam mercadorias, principalmente alimentos (grãos) e matérias primas (minérios). Ora, era inevitável que a crise, fase do ciclo econômico atual, fizesse cair violentamente a procura, já que provocaria a estagnação da produção. Com isto, os papeis lastreados em commodities perderam a referência, o corpo, e começaram a desabar, acompanhando a queda dos preços destes bens.
Durante toda a semana, as notícias sobre essa queda se sucederam. O preço da soja, na bolsa de Chicago, caiu para US$ 13,73 o bushel, aproximando-se do limite mínimo para a cultura ser rentável. Se cair mais, o cultivo se torna inviável (a viabilidade econômica desta atividade situa-se entre 13 e 14 dólares o bushel). A queda acumulada até agora é de 14,4%. No mercado interno, o preço também foi arrastado, acumulando perda de 11,9%. Segundo Glauber Silveira, presidente da Associação dos Produtores de Soja (Aprosoja), se os preços continuarem a cair, abaixo de US$14, “os produtores vão quebrar”. Em relação ao milho, entre 11 e 25 de julho, os preços já caíram 17%. A nível internacional, a queda nos preços fez o Indice Reuters-Jefferies CRB Commodity cair 7,4% em uma semana, e o presidente da Marketfield Asset Management de Nova York, Michael Aronstein, declarou que “Todas essas commodities estão começando a mostrar sinais de que o grande mercado altista acabou e que os produtos...vão começar a cair substancialmente de preço”.
O petróleo também está em baixa. Desde o preço recorde de US$ 145,18 o barril, até agora, a redução foi de 10,95%. Desde o início de julho, a queda foi de 8.1%. Neste período, o milho despencou 17% e o cacau, 12%. Dezesseis das 19 commodities monitoradas pelo Índice CRB tiveram queda de preços na semana passada.
Com o estouro da “bolha” das commodities, para onde irá o capital especulativo? Quem poderá socorrê-lo agora?
O famoso economista Paul Krugman, professor da Universidade de Princeton, nos EUA, lamentando a violência da crise e comparando-a com as do passado, mostra sua dificuldade em encontrar uma resposta: “Foi fácil acabar com o velho estilo de recessão (...). Terminar com as quedas modernas é bem mais difícil, pois a economia precisa encontrar algo para substituir a bolha estourada.” E continua, citando a publicação “The Onion”: “Pais afetado pela recessão exige nova bolha na qual investir”. Concluindo, ele completa melancolicamente: “Provavelmente não encontraremos outra bolha, pelo menos não uma grande suficiente para alavancar uma rápida recuperação”.
Com base nisto, Krugman considera que a recessão na economia americana deverá arrastar-se por mais dois anos, apesar de toda a intervenção do Banco Central (Fed), que ele elogia como acertada, para minorar a situação de um rombo estimado em US$ 8 trilhões. Justificando-se, ele afirma: “Hoje somos todos keynesianos”. E completa dizendo que “O Consenso de Washington foi seriamente afetado com esta crise.”
Como se não bastasse, o Professor Krugman foi além em suas análises. Em uma conferência (certamente muito bem remunerada) feita no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, no dia 24 passado, manietado pela teoria econômica que lhe serve de base, tentou explicar a crise financeira como uma terrível coincidência de várias crises: choque de preços do petróleo, crise financeira no mercado dos EUA, provocada pela “criatividade financeira norte-americana”, crise no câmbio, por culpa dos países emergentes que resolveram atrelar suas moedas ao dólar, criando uma espécie de segundo Brettonwoods, etc. Tudo isto fez surgir uma “bolha” que “teria de estourar em certo ponto”.
E o estouro continua. As notícias sobre a crise chegam de todas as partes. Nos EUA, cai a venda de casas e sobe o desemprego. As perdas com o setor imobiliário se agravam. Diante da ameaça de falência iminente das gigantescas instituições financeiras Fannie Mãe e Freddie Mac, responsáveis pela metade dos US$ 13 trilhões de empréstimos imobiliários residenciais nos EUA, o secretário do tesouro, Henry Paulson, ex grande defensor do liberalismo econômico, pressiona o Congresso a aprovar as medidas que permitirão injetar, inicialmente, US 8,9 bilhões nestas empresas. As modificações na legislação visam autorizar o governo a comprar ações para permitir que essas empresas possam ter acesso “a um capital adequado para superar esse período”. No setor bancário, os problemas continuam, e chegou a vez do banco Wachovia, que, no trimestre, contabilizou um prejuízo de US$ 8,9 bilhões.
Mas, o problema não se expande apenas no setor financeiro. Como já havíamos previsto, a situação se agrava na economia real. A Sony-Ericson anunciou um prejuízo de US$ 3,17 milhões no segundo trimestre deste ano e pretende reduzir seus gastos. A Ford Motor Co., segunda maior montadora dos EUA, está com um programa de demissão voluntária para seus trabalhadores, diante da redução da produção provocada por uma queda, de 14%, nas vendas. Segundo Edward Altman, professor da Universidade de Nova York, não só a Ford, mas a General Motors Corp, a maior entre as montadoras, está seriamente ameaçada de falência dentro de cinco anos.
Na União Européia, segundo a consultoria Oliver Wyman, sediada em Nova York, os bancos deverão registrar mais $US 191 bilhões de prejuízo. No próximo ano, no Reino Unido, os prejuízos vão subir 44%. Na Espanha, serão $ 2,1 bilhões de euros, superiores ao deste ano. Na Irlanda, os valores deste ano serão ultrapassados em $400 milhões de euros. Em toda a União Européia, a economia desacelera de forma perigosa e em ambiente de inflação.
Neste cenário, o Banco Central do Brasil (BC) tomou a decisão de elevar a taxa de referência Selic em 0,75%, fazendo com que o país se destaque, ainda mais, na sua posição de liderança como campeão mundial em termos de magnitude da taxa básica de juros, que agora atingiu a marca dos 13%. Parece que Henrique Meirelles, presidente do BC, não aprendeu ainda a lição dada pelo seu colega Bem Bernanke, presidente do Federal Reserve (Fed), Banco Central americano, sobre o efeito dos juros sobre os preços. Recentemente Bernanke declarou que a alta dos preços do petróleo e outras comodities se deve “100% a fatores fora do controle da autoridade monetária” e que “o Fed não pode produzir petróleo”.
As conseqüências já são conhecidas. A Bovespa caiu ao seu menor nível desde janeiro, e as perspectivas são de maiores quedas com a possibilidade de continuação de alta da selic, prevista para 15% em dezembro. A dívida interna mantém a trajetória de alta e já chegou a R$ 1,247 trilhões, 0,47% maior que no mês passado. Calcula-se que só este aumento da selic provocará um acréscimo de R$ 3,22 bilhões na dívida. A tendência para a desvalorização do dólar continuou, tendo a cotação atingido R$ 1,58, seu ponto mais baixo desde 1999, o que aumenta ainda mais as dificuldades para o setor exportador. Os protestos das federações das indústrias foram imediatos. O presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, afirmou que, para combater a inflação, há outros remédios e não apenas a alta dos juros, que “impede o crescimento, gera desemprego e prejudica a sociedade”. O presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Armando Monteiro Neto, afirmou que a medida “resultará em maiores danos ao próprio processo de crescimento”. As exportações de produtos manufaturados, que já estão em baixa, serão dificultadas ainda mais. Pela primeira vez em 20 anos, a participação deste tipo de exportação na pauta geral deve fechar o ano abaixo de 50%. Segundo dados da Associação de Comercio Exterior do Brasil (AEB), a política do dólar desvalorizado já retirou da área exportadora mais de 300 empresas de pequeno e médio porte.
Mas, diante de um quadro tão sombrio, ainda temos alguns feitos para comemorar. A arrecadação federal, no semestre, atingiu uma cifra recorde de R$ 327,6 bilhões, 16% acima do apurado, no mesmo período do ano passado, justificado, segundo a Receita, pela expansão da economia e pelo aumento dos impostos. A venda de materiais de construção também bateu recorde, fato igualmente apontado como indicador da expansão. E, finalmente, a empresa alemã Rapunzel Naturkost, que havia registrado, como dela, a marca “rapadura”, foi derrota e nos devolveu o direito a produzi-la.
Assim, de bolha em bolha, enquanto apertamos o passo em direção à crise, com a ajuda do Meireles (que ainda não descobriu que o BC não pode produzir petróleo), pelo menos podemos gritar com todo o patriotismo tupiniquim: a rapadura é nossa.

Texto escrito por:
Nelson Rosas Ribeiro: Professor do Departamento de Economia da UFPB e coordenador do Progeb. (progeb@ccsa.ufpb.br)

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