quarta-feira, 23 de setembro de 2009

A complexa “recuperação da economia”

Semana de 31 de agosto a 06 de setembro de 2009


Nas últimas semanas, parte dos analistas econômicos tem enfatizado a tese de que a recuperação, nos países desenvolvidos, já estaria dando os seus primeiros sinais. Como vimos na análise passada, o debate tem se deslocado para o formato gráfico que o movimento, iniciado com a crise econômica desencadeada no início de 2007, apresentaria. Ou seja, discussão atual é se ele assumirá o formato de “V”, “U” ou “W”, havendo quem aposte em mais de uma das alternativas, devido à complexidade do processo de recuperação. Alguns dados pouco significativos servem de base para sustentar a opinião dos mais otimistas. Nos Estados Unidos, por exemplo, os anúncios de cortes de vagas de trabalho caíram 21% em agosto. Em julho, foram anunciados 97.373 cortes e, no mês seguinte, este número caiu para 76.456. O setor de serviços do país também apresentou melhora, apesar de se manter em contração. O índice de atividade do setor subiu, de 46,4, para 48,4 pontos. Índices superiores a 50 pontos indicam crescimento, abaixo disso, contração. Todavia, estes dados não permitem concluir que o processo de recuperação econômica está se iniciando. Eles indicam apenas que o ritmo de contração da economia está diminuído.

Taxa mensal de desemprego para os Estados Unidos - Jan./09 - Ago. 09(*)
* Para melhor visualização do gráfico clique sobre a imagem.

Fonte: http://www.bls.gov/

No Brasil, a isenção de impostos e o período pré-natalino têm dado fôlego adicional a alguns setores, como o de eletroeletrônicos. Em Manaus, a Philips chamou de volta os 620 funcionários com os quais havia firmado acordo de suspensão temporária do contrato de trabalho. Na Europa, a previsão de crescimento do Banco Central Europeu (BCE) para a zona de euro em 2010 é de 0,2%, e o pacote de incentivos emergenciais deverá ser mantido, pelo menos por enquanto, o que indica que a crise ainda não terminou. O professor de política econômica e desenvolvimento da London School, Robert Wade, compartilha desta mesma opinião. Segundo ele, o movimento de recuperação industrial, em curso no mundo desenvolvido, é apenas uma recomposição de estoques, o que, por não ter sustentação, irá levar a uma nova crise em 2010.
De fato, como já chamamos a atenção, existe a possibilidade de ocorrência de uma nova crise, uma crise complementar, que restabeleceria as condições necessárias para dar início ao processo de recuperação da economia mundial. Se esta hipótese se confirmar, o movimento cíclico assumirá o formato de “W”, um pouco imperfeito, com um ritmo lento de crescimento econômico.
Esta próxima fase da economia global parece apresentar-se de maneira bastante complexa. A esse respeito, o presidente do BCE, Jean-Claude Trichet, afirmou que a recuperação da zona do euro será irregular e desigual sem entrar em maiores detalhes sobre o assunto. Mas, a recuperação desigual não será uma característica apenas da União Européia. Países como os Estados Unidos e alguns emergentes como a China podem apresentar situação semelhante. Segundo o professor Wade, a China está produzindo uma nova bolha imobiliária, que deve estourar em algum momento. Além disso, a industrialização chinesa e a sua estratégia de exportação mundial vêm contribuindo para a desindustrialização de outros países emergentes, como o Brasil.
Ainda nos Estados Unidos, a crise parece ter aumentado a dualidade da economia e algumas notícias mostram que, de um lado, com uma grande facilidade de acesso ao crédito, se tem um conjunto de grandes empresas e bancos. Do outro lado, acumulam-se as pequenas empresas, com vendas em queda e com dificuldades de acesso ao crédito. Esta dualidade faz com que o processo de recuperação seja desigual, com algumas empresas saindo da crise muito antes que as outras. Temos então a formação de um quadro complexo no cenário econômico internacional. O desenrolar dos fatos mostra que a recuperação da economia mundial ainda não começou, mas já aponta para uma direção incerta e duvidosa. Nessas circunstâncias, uma simples onda de otimismo baseada em números incipientes não será suficiente para promover a retomada do crescimento.
O secretário do tesouro dos Estados Unidos, Timothy Geithner, declarou que já vislumbra os primeiros sinais de crescimento na economia americana e mundial, mas a maioria dos governadores do Federal Reserve (membros da direção do banco central do país nomeados pelo presidente e aprovados pelo Senado) admite que a economia irá se recuperar lentamente e adverte que ela ainda está vulnerável aos choques. A ata da reunião do Comitê de Política Monetária do Fed mostra que o desemprego continua sendo um motivo particular de preocupação, apesar da queda do ritmo das demissões. Segundo a consultoria ADP Employer Services o setor privado da economia dos Estados Unidos eliminou 298 mil postos de trabalho em agosto.
No Japão, a situação também não é diferente: a taxa de desemprego do país subiu, em julho, para 5,7%, o nível mais alto da série histórica iniciada em 1953, fator decisivo para a derrota nas eleições do Partido Liberal, após 54 anos no poder. Já no Brasil, o otimismo continua elevado, influenciado por dados como o da produção industrial, que cresceu em dez das 14 regiões pesquisadas em julho, em relação ao mês anterior, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Entretanto, na comparação com julho do ano passado, a produção industrial declinou em quase todas as localidades analisadas pelo IBGE, com exceção de Goiás, onde houve um crescimento de 4,4%.

Indicadores conjunturais da indústria - resultados regionais(*)
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Estes números, portanto, aparentemente, indicam que a recuperação da economia brasileira será mais rápida que a das demais economias. No entanto, é preciso observá-los com cuidado, sob a ótica sazonal. Neste período do ano, a indústria começa a aumentar a produção, apostando na elevação do consumo provocada pelas festas de fim de ano e pelo pagamento do décimo terceiro salário e das gratificações natalinas. Entretanto, é preciso lembrar que a recuperação da economia exige muito mais do que meros estímulos sazonais.

Texto escrito por:
Diego Mendes Lyra: Mestrando em economia, Professor Substituto do Departamento de Economia da UFPB e pesquisador do Progeb – Projeto globalização e crise na economia brasileira.
Email: progeb@ccsa.ufpb.br

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segunda-feira, 21 de setembro de 2009

O déficit salvou o mundo

Semana de 24 a 30 de agosto de 2009


Até que enfim os economistas e governos começaram a respirar aliviados. A tensão está baixando, mas isso não significa que a recuperação começou.
Temos chamado a atenção dos leitores para o fato de que estamos nos aproximando do fundo do poço, ou seja, o barco da economia mundial navega no entorno dele.
Mas o que vem a ser o fundo do poço? A expressão generalizou-se, mas poucos refletem sobre o seu conteúdo. Se o poço tem um fundo, tem também uma borda, o que significa que a economia oscila de um extremo a outro. Aí está a noção de ciclo que dá origem a uma teoria que tenta explicar por que a economia das sociedades capitalistas não evolui de forma linear, mas oscila entre aceleração e desaceleração, com uma freqüência de aproximadamente 10 anos. Isto pode ser facilmente observado através de diversos dados estatísticos como, por exemplo, as taxas de crescimento do PIB ou do produto industrial.
Embora esta constatação possa ser feita, e o tema seja tratado até nos manuais de macro-economia, não se tem a coragem de falar claramente dele. Os jornais da semana trazem com alguma freqüência as palavras anticíclico e contra-cíclico, referindo-se às medidas de política econômica adotadas durante a crise. Falam isso agora, quando o pior da situação está passando.
Também tem voltado ao debate a questão alfabética: se o ciclo será em V, U ou W. A grande maioria dos economistas parece optar pela letra U, ou seja, a fase de crise seria representada pela perna da esquerda do U, a curva inferior seria o fundo do poço e a perna da direita representaria a fase de recuperação ou reanimação, como nós a temos chamado. A forma V significaria que, após a queda, haveria um ponto de mínimo, que seria o vértice, seguido por uma rápida recuperação, representada pela segunda perna do V. Ninguém aposta nessa hipótese. A forma de W significaria que, após a primeira crise, que seria representada pela primeira perna do W, terminando no primeiro vértice inferior, haveria uma forte recuperação, que terminaria no vértice superior central, seguida de nova queda, repetindo assim o movimento inicial. Esta hipótese parece agradar a alguns, mas com certos reparos. Nenhuma das recuperações seria rápida e, por isso, o W seria muito aberto e com o vértice superior central rebaixado.
Tendemos a apontar para a opção de U, embora o nosso U seja aberto à direita, ou seja, a perna da direita seria também inclinada para a direita, o que significaria que a recuperação, que, ainda não se iniciou, será lenta e arrastada. Esta é também a opinião de Nouriel Roubini, professor da Universidade de Nova York que ficou famoso por prever a crise financeira. Segundo ele, a recessão só terminará no final do ano, e o crescimento “será anêmico e ficará abaixo da tendência por pelo menos alguns anos”.
Atualmente, os dados mostram que os países se encontram em pontos diferentes da curva inferior da letra U, que representa a fase chamada de depressão, que se caracteriza pela redução dos ritmos da queda da economia, pela estabilização do desemprego, e algum aumento na produção para a reposição dos estoques, que se esgotaram na fase anterior.
Este é o ambiente que se observa em países da zona do euro como a Alemanha e a França.
No entanto, ainda surgem abundantes notícias sobre o agravamento da situação em outros países. Na Espanha, por exemplo, a queda do PIB no segundo trimestre foi de 1,1% em relação ao primeiro. Em relação ao ano passado, foi de 4,2%, a maior queda desde 1970. A taxa de desemprego já atinge os 17,92% da população economicamente ativa.



Taxa mensal de desemprego para a União Europeia - Jan. 1995/Jul. 2009(*)
* Para melhor visualização do gráfico clique sobre a imagem.


As exportações do Japão, em julho, caíram pelo décimo mês consecutivo. Em relação aos mesmos períodos de 2008, os embarques para o exterior caíram 36,5% em julho, ultrapassando os 35,7% de junho. O governo da China pretende reduzir o excesso de capacidade produtiva em alguns ramos industriais como aço e cimento. Este argumenta que “a economia ainda está num período crítico de recuperação, durante o qual o governo deve conter de maneira resoluta a capacidade industrial excessiva.” Nos EUA, a Casa Branca prevê que a economia encolherá 2,8% este ano e que o desemprego superará os 10% até o final do ano. O Departamento de Agricultura americano (USDA) calculou que a crise provocou uma queda de 16,05% no comercio agrícola mundial, no primeiro semestre, quando comparado com o mesmo período do ano passado. Segundo relatório da Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (Cepal), o comércio da região terá uma redução de 13% este ano, quando comparado com o anterior.
Como se vê, os sinais que apontam para o início da reversão do movimento de crise são débeis econtraditórios mostrando que esta mudança, está sendo lenta. A grande novidade é que ela está se dando à custa de um derrame de trilhões de dólares pelos Bancos Centrais e governos que se endividam e, agora, terão de gerir esta dívida, ou seja, estamos trocando a crise econômica pela crise dos orçamentos e dos estados. Os déficits dos orçamentos têm crescido a tal ponto que, no caso dos EUA, espera-se que, em 2019, a dívida federal líquida atinja 70% do PIB. Em 10 anos, estima-se que ela atingirá US$ 7,140 trilhões. No entanto, economistas como Paul Krugman consideram que isto foi um mal necessário e contribuiu par salvar o mundo. O que ele não sabe é que, com esta brutal intervenção, aliada à existência dos monopólios, o saneamento da economia não se completou e a crise não cumpriu integralmente sua função saneadora tão necessária para repor as condições de retomada do processo de acumulação do capital. E é esta a causa da lentidão no processo de recuperação, que a grande maioria dos observadores reconhece, mas não consegue explicar.
E existe ainda um novo perigo: o de uma crise complementar para terminar o saneamento nãorealizado. Neste caso teríamos um movimento com a forma de W, suspeita também já levantada pelo economista americano Nouriel Rubini. Lembremos que este fenômeno já ocorreu depois da crise de 1929/33. Apesar de toda a violência da destruição, foi necessária a crise complementar de 1937, seguida da II Guerra Mundial.
No Brasil, a subestimação da violência do fenômeno que se aproximava, uma “marolinha”,segundo o presidente, fez com que a política anticíclica só fosse iniciada tardiamente e de forma canhestra, mais voltada para as despesas do que para os investimentos. Apesar dos discursos e afirmações das autoridades sobre a saída da crise, alguns indicadores mostram que a situação ainda se agrava. O desemprego na região metropolitana de São Paulo passou, de 14,2%, para 14,8%, retomando a trajetória de alta, segundo os dados do Dieese. Foi o maior movimento já registrado para o mês de julho na séria histórica. O número de desempregados no mês foi de 67.000, elevando o total para 1,562 milhão. A inadimplência das famílias também aumentou, passando, de 17% em julho, para 19% em agosto, de acordo com pesquisa da Federação do Comércio de São Paulo (Fecomercio). Alguma euforia tem sido registrada no setor siderúrgico com a retomada das exportações e da produção a nível mundial, o que tem afetado as indústrias brasileiras. Mas o próprio presidente da CSN, Benjamim Steinbruch, alertou que a ajuda do governo continua a ser necessária. Flávio Azevedo, presidente do Instituto Aço Brasil (IABR),pensa que a redução do consumo no mercado brasileiro este ano será de 22% e que só voltará aos níveis de 2008 daqui a três anos. O dado que mais tem causado alvoroço tem sido o crescimento da produção industrial em julho, em comparação com o mês anterior, que foi de 1,.9%, segundo o Ipea. Mas, se comparado com o mesmo mês do ano anterior, a queda é de 10,7%.
As medidas que mais têm contribuído para conter a crise são a redução dos impostos e dos juros,além do aumento da oferta de crédito pelos bancos oficiais. Estas medidas, porém, mostram que também estamos trocando a crise pelo rombo do orçamento. Com efeito, a dívida do setor público subiu, de 43,2% do PIB, para 44,1% em julho, atingindo o valor de R$ 1,283 trilhão. O superávit primário acumulado de janeiro até julho atingiu apenas os R$ 38,435 bilhões, representando 2,25% do PIB, menos da metade do acumulado no ano passado, que correspondeu a 5,63% do PIB. O total não foi suficiente para pagar nem os juros da dívida, o que fez o déficit nominal mensal subir para R$ 12 bilhões em julho. No semestre, o Banco Central (BC) registrou um prejuízo de R$ 941,6 milhões, quando, no mesmo período do ano passado, o resultado havia sido positivo em R$ 3,2 bilhões. Isto foi o que as ajudas ao setor privado para a superação da crise custaram ao BC.
Estará o déficit também ajudando a salvar o Brasil? Quem está efetivamente ganhando com asalvação?

Texto escrito por:
Nelson Rosas Ribeiro: Professor do Departamento de Economia da UFPB e coordenador do Progeb-Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira Email: progeb@ccsa.ufpb.br

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