sexta-feira, 17 de julho de 2009

Arremeter ou encher o tanque?

Semana de 29 de junho a 05 de julho de 2009

Nas últimas semanas, temos chamado a atenção do leitor para os sinais que a economia mundial está emitindo. É cada vez mais evidente que uma nova fase do ciclo econômico se aproxima, nos levando ao chamado “fundo do poço”. Entretanto, algumas medidas tomadas pelos governos podem fazer com que esta fase seja, talvez, menos dolorosa, mas, com certeza, duradoura.
A primeira forma que a atual crise assumiu foi a financeira. Instituições de fomento, como o Lehman Brothes e Bear Stearns, que, em janeiro de 2007, eram avaliadas em US$ 1,4 trilhão, em abril de 2009, não passavam de pouco mais de US$ 400 bilhões. Para salvar o setor, os Bancos Centrais de todo o mundo despejaram trilhões de dólares no chamado “lado financeiro da economia”. Até certa medida, tais ações contribuíram para a salvação de alguns bancos, mas apenas adiaram o sofrimento de outros. Com efeito, em 2007, três bancos americanos foram à falência; em 2008 esse número chegou à casa dos 25; e até julho de 2009, o número de bancos norte-americanos que fecharam suas portas atingiu a marca de 52. Por sua vez, o Programa de Investimento Público-Privado, ou PPIP (na sigla em inglês), que visa a “limpeza” do sistema financeiro estadunidense, já perdeu impulso. Os bancos não estão confiantes de que obterão bons negócios e, principalmente, se irão se livrar dos chamados ativos “tóxicos”.
Porém, o lado financeiro de uma economia é apenas a ponta do iceberg, embora seja o que mais rápido responde aos estímulos e projeções dos governos. Isso é visto nas oscilações diárias das bolsas de valores de todo mundo, as quais reagem ao lançamento de novos planos de reestruturação ou ao anúncio de novos dados macroeconômicos instantaneamente.
No entanto, os dados do lado real nos mostram quem desempenha efetivamente o principal papel. E estes dados indicam que, em todo o mundo, as taxas de desemprego continuam aumentando, a produção industrial caindo, o comércio internacional se reduzindo, etc.
Nos EUA o desemprego atingiu 9,5%, em junho, após o fechamento de 467 mil postos de trabalho. O mesmo percentual é encontrado na zona do Euro. Na União Européia, no Reino Unido e na América Latina tem-se 8,9%, 7,2% e 8,5% de desemprego respectivamente. São estes dados, em conjunto com outros, que levam os analistas a preverem uma retração na economia mundial este ano.

Taxa de desemprego para países selcionados - Dezembro/2007 - Junho/2009(*)
* Para melhor visualização do gráfico clique sobre a imagem.
Fonte:http://www.bls.gov/

Tentando enfrentar a situação, os governos das maiores potências vêm adotando medidas para incentivar a retomada da produção. Só o presidente Barack Obama lançou um pacote de US$ 787 bilhões, o que ajudou a diminuir o ritmo de crescimento do desemprego. Em maio, o número de desempregados caiu para 332 mil, bem abaixo da média mensal do primeiro trimestre que era de 600 mil. Os gastos previstos para todo o ano, para estimular a economia nos EUA, equivalerão à 2% do PIB, atrás apenas da China (mais de 3%) e Japão (mais de 2%). Já a Alemanha, pretende tomar medidas fiscais que totalizam 3,6% do PIB, até 2010. A premiê deste país, Angela Merkel, defende que a economia e os mercados deveriam ter maior controle, de tal forma que “nós tenhamos o cuidado de não criar imediatamente as condições para a próxima crise”. Ao propor um desenvolvimento sustentável, ela diz “Não podemos entrar numa crise a cada cinco ou sete anos”.
No caso brasileiro, o governo se assemelha à justiça: “anda devagar senão escorrega”. Desde setembro de 2008, e durante sete meses consecutivos, a produção de bens de capital vem caindo. Esta queda acumulada já atinge 31,4%, o que, finalmente, levou o presidente Lula e sua equipe econômica a reagir.

Produção industrial total e utilização da capacidade instalada(*)
* Para melhor visualização do gráfico clique sobre a imagem.
Fonte: http://www.cni.org.br

Após a queda da taxa Selic para 9,25%, o governo decidiu baixar a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) para 6%, enquanto quatro linhas de crédito do BNDES tiveram seus juros reduzidos, de 10,25%, para 4,5% ao ano. Além disso, 17 grupos de bens de capital tiveram suas alíquotas de IPI (Imposto sobre Produtos Industrializado) reduzidas à zero. Tais ações, juntamente com as adotadas para a chamada linha branca e para a construção civil, irão vigorar até o fim do ano.
O caso mais notável (e mais citado nos discursos oficiais) é o do setor de automóveis. Após prever uma retração nas vendas deste ano, a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) espera que o crescimento das vendas no primeiro semestre desse ano supere em 1% ou até 2% as vendas recordes de 2008. Isto graças ao sacrifício de aproximadamente R$ 1,4 bilhão em arrecadação, ocasionado pela redução do IPI dos automóveis. Com isso, as empresas ligadas à cadeia automotiva “normalizaram” a produção.
Outro elemento que evitou uma maior redução na produção e no emprego foram os acordos entre sindicatos e empresas. Os sindicatos do setor automotivo conseguiram manter as carteiras de seus membros assinadas graças às férias coletivas, à redução da jornada de trabalho, às licenças remuneradas ou à suspensão temporária dos contratos.
Menos sorte teve o setor exportador. Por não ter como se beneficiar diretamente da redução do IPI (muito menos da taxa de câmbio), não houve como manter o nível de produção. Como não poderia deixar de ser, tivemos como conseqüência direta o aumento no número de demissões.
Os incentivos, entretanto, não podem surtir muito efeito, pois as empresas só investem em novos meios de produção quando estão próximas do limite de sua capacidade instalada. Na indústria de transformação, por exemplo, esta capacidade ociosa varia entre 30% e 40%. Na indústria de materiais de construção ela é de 22%. Soma-se a isso a expectativa de retorno do investimento, inata ao empresário. Assim, diante da crise mundial, da queda nas exportações, de um mercado interno saturado e de um nível de estoque acima do ideal, nenhum empresário se dispõe a investir.
Estes são os motivos que nos levam a afirmar que a retomada do crescimento não está acontecendo. A manutenção de empresas à beira da falência dificulta o saneamento da economia, criando entraves à reanimação produtiva. Um possível aumento das vendas virá da redução dos estoques, enquanto o aumento da produção virá da redução da capacidade ociosa.
O que fazer em tal situação? Arremeter com pouco combustível ou pousar para encher o tanque?
Eis o dilema.

Texto escrito por:
Lucas Milanez de Lima Almeida: Professor Substituto do Departamento de Economia da UFPB, Mestrando em Economia pelo CME-UFPB e pesquisador do Progeb.
progeb@ccsa.ufpb.br

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terça-feira, 14 de julho de 2009

Entre a cruz e a espada

Semana de 22 a 28 de junho de 2009


Nas últimas análises, temos demonstrado que a tendência para a desaceleração da crise continuou a acentuar-se. Na teoria, isto significa a passagem da fase de crise para a fase de depressão do ciclo econômico. Continuamos a caminhada para o fundo do poço, mas a um ritmo mais lento. As insolvências e falências de empresas se reduzem, o desemprego tende a estabilizar-se, a demanda continua em baixa e o crédito, diante da falta geral de confiança que se mantém, apesar de continuarem as injeções violentas de recursos públicos nas instituições financeiras e empresas, continua escasso.
O Banco Central Europeu (BCE), por exemplo, anunciou mais uma injeção de 442 milhões de euros (US$ 617 bilhões), no sistema bancário europeu, a uma taxa de 1% ao ano. Nos EUA, o mercado imobiliário continua em crise e o Federal Reserve (Fed), Banco Central americano, continua cauteloso, prevendo uma lenta recuperação da economia apenas em 2010. A carteira de credito de difícil recuperação, nos últimos nove meses, saltou para US$ 2,03 trilhões. O Fed anunciou que gastará mais US$ 1,25 trilhão em papeis hipotecários. Com isto, os créditos duvidosos passarão a representar quase 10% do Produto Interno Bruto (PIB) dos EUA. Prevê-se que a dívida pública do país saltará, de US$ 6,3 trilhões, para US$ 10 trilhões até o próximo ano, o que equivale a oito PIB’s do Brasil.
O Banco Mundial (Bird) reviu sua previsão do crescimento da economia mundial para este ano de 2009. A queda de 1,7%, prevista anteriormente, foi corrigida para 2,9%. O Fundo Monetário Internacional (FMI), mais otimista, estimou a queda em 1,3%. A Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) embora admitindo que, em 2010, a economia mundial possa iniciar a sua recuperação, considera que, em 2009, a economia dos países da zona do euro terá uma retração de 5% e que continuará estagnada no próximo ano.
Os sinais de desaceleração da crise, que caracterizam a passagem para a nova fase do ciclo, têm provocado alguma euforia no setor financeiro, o grande responsável pela deflagração do processo. Já se nota certa excitação nos centros financeiros mundiais, abastecidos pela enxurrada de recursos vindos dos bancos centrais dos países desenvolvidos. Entretanto, reunidos na Basiléia, os presidentes e representantes destes bancos alertam que é cedo para declarar a vitória sobre a pior recessão dos últimos 60 anos e continuam a debater as medidas que possam prevenir novos desastres.
No Brasil, o governo finalmente deu fortes demonstrações de preocupação acionando um pacotão
de medidas anticíclicas, mostrando que a equipe do Ministro “Mantega” estudou “direitinho” os manuais keynesianos. Os bancos oficiais (BB e CEF) despejam dinheiro tentando baixar os juros, que nem de longe acompanham os do resto do mundo. A contragosto, também o Banco Central do Brasil (BCB) vai baixando lentamente a taxa Selic, que caiu para o terceiro lugar no ranking mundial das mais elevadas. Por seu lado, o governo reduziu os impostos sobre vários produtos, como os automóveis e a linha branca, ao mesmo tempo em que tenta empurrar o enferrujado PAC (que se arrasta) e lançar o plano da casa própria.
As medidas tomadas para combater a crise, como o aumento das despesas, a liberação de recursos e as desonerações fiscais, em contrapartida, elevaram para R$ 1,388 trilhão o déficit das contas públicas em maio, em relação a abril, o que significou um aumento de 0,31%. Só não foi pior por que a valorização do real fez cair a dívida externa. Os juros não pagos e incorporados ao principal atingiram R$ 10,03 bilhões. Entre abril e maio, o resultado primário das contas públicas apresentou um déficit de R$ 120,2 milhões, o primeiro para este mês desde 1999. De janeiro a maio, as despesas cresceram 18,6% e as receitas caíram 0,85%. Como conseqüência, a tão falada relação Dívida-PIB, que, segundo as autoridades monetárias, deveria dar tranqüilidade aos “investidores”, começou a subir, pondo em dúvida a solvência do setor público. Isto, por sua vez, pode provocar a fuga do “hot money” dos especuladores da bolsa de valores e a desvalorização do real, devido à redução da oferta de dólares. De janeiro até agora, o superávit primário já caiu de 4,7%, para 1,6%, e ainda faltam seis meses para o final do ano.

Eis um novo perigo que surge e coloca as autoridades econômicas entre a cruz e a espada.
Apesar de todo o esforço do governo, as previsões para o crescimento do PIB nacional continuam sendo reduzidas. A Confederação Nacional da Indústria considera que o PIB do país cairá 0,4%. O BC deverá rever sua previsão de crescimento, de 1,2%, para uma taxa entre 0,3% e 0,5%. O Banco Mundial (Bird) estima uma queda de 1,1%. A maior parte das opiniões indica valores em torno de 0%.
Os acontecimentos dividiram os analistas em três grandes grupos. Os otimistas, apressados em defender o sistema, afirmam que a crise já passou e a economia está em recuperação.Os envergonhados atrevem-se a dizer que já chegamos ao fundo do poço. O terceiro grupo constata que a desaceleração se reduziu, mas que ainda não se chegou ao fundo do poço e que a crise, portanto, não acabou. Esta é a opinião do Secretário Geral da OCDE, Angel Gurria. O presidente do BCB, Henrique Meirelles, finalmente admitiu a gravidade da crise e que “a recuperação é lenta, gradual e sujeita ainda a muitas dificuldades”, embora considere que “o pior da crise” já passou, no Brasil.
No entanto, os dados nos levam a prever que a recuperação ainda não começou e, quando se iniciar, será lenta e arrastada. A brutal injeção de recursos que vem sendo feita tem o efeito perverso de não permitir a ação saneadora da crise, que é a destruição de capitais e de forças produtivas. Sem esta destruição, não haverá espaço para investimentos em máquinas e equipamentos e, com isto, o setor produtor de meios de produção, o grande responsável pela recuperação, não será estimulado.

Ora, as preocupações com o setor de bens de capital já vêm de algum tempo. A valorização do real frente ao dólar já colocava, anteriormente, em condições de desvantagem a produção nacional diante do setor externo. Os produtos chineses, por exemplo, favorecidos pelas baixas remunerações da força de trabalho praticadas naquele país e pela inexistência de contribuições sociais que incidem sobre a folha de salários, podiam ser comercializados por preços muito baixos. Isto, aliado às taxas de juros altas, ao reduzido tamanho do mercado interno e ao panorama internacional de crise, vinha desestimulando os investimentos pelos empresários nacionais. Com a crise, a situação agravou-se consideravelmente. Armando Monteiro Neto, presidente da Confederação Nacional das Indústrias (CNI) citando dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostrou que, de janeiro a abril, enquanto a indústria registrou uma queda de 14,7%, a produção de bens de capital caiu 22,6%. A Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), apontando as dificuldades do setor, mostrou que, enquanto a taxa de juros aplicada no Brasil, a TJLP, é de 6,00% ao ano, as empresas estrangeiras operam com taxas de 1,5% a 3,0%. Monteiro Neto afirmou ainda que os sinais de recuperação são tênues e a retomada mostra-se difícil. Se não houver uma
“política dedicada a bens de capital, estará comprometido, não só o crescimento presente, mas também o potencial do PIB dos próximos anos”.
Os demais dados sobre a economia são característicos de uma fase de recessão. No período de janeiro a maio, a inadimplência das empresas cresceu 27%. Entre abril e maio, ela subiu, de 5,2%, para 5,5%, nos empréstimos bancários, o maior percentual desde outubro de 2000. O consumo de energia elétrica, em maio, caiu 4,4% em relação ao mesmo mês do ano passado; a taxa de desemprego manteve-se estacionada em 15,3%, segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) e em 8,8%, segundo o IBGE. Enquanto as empresas de celulose choram a perda de 50% de seu valor, a indústria automotiva, privilegiada pelo corte do IPI, proclama o melhor nível das vendas da história, em junho, embora o calote no pagamento das prestações dos carros seja o mais alto desde 2000. E o governo, apesar do aumento do déficit das contas públicas, continuou a privilegiar a indústria automotiva anunciando a prorrogação da isenção do IPI por mais três meses. Prometeu também outras benesses natentativa de estimular a recuperação econômica.


Emprego industrial(*)
* Para melhor visualização do gráfico clique sobre a imagem.

O fato é que enquanto as leis e as contradições do capitalismo exercem sua ação, o presidente Lula, entre a cruz e a espada, precisa desesperadamente de indicadores econômicos positivos, para a campanha política e, embora com atraso, está disposto a jogar pesado. Depois das eleições, o fardo será carregado por quem o suceder.

Texto escrito por:
Nelson Rosas Ribeiro: Professor do Departamento de Economia da UFPB e coordenador do Progeb - Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira
progeb@ccsa.ufpb.br

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