sexta-feira, 2 de abril de 2010

O Brasil, o mundo e a crise

Semana de 08 a 14 de março de 2010

Em matéria publicada na edição de fim de semana dos dias 12, 13 e 14 deste mês, o Jornal Valor Econômico, referindo-se à situação do Brasil no período de 1993 a 2008, trouxe a seguinte manchete: "País vivia seu 2° maior ciclo de crescimento".
Em termos de anos seguidos de crescimento positivo esses 16 anos só perdem para o período entre 1943 e 1980. No entanto, outras comparações mostram resultados não tão animadores.
Nos 38 anos que vão de 1943 a 1980, o país teve um crescimento médio de 7,3%, enquanto que, nos 16 anos entre 1993 e 2008, o crescimento do PIB foi, em média, 3,3%.
João Villaverde afirma na referida notícia que este "ciclo" de 16 anos terminou como uma conseqüência do que "pode ser entendido como uma interiorização das turbulências mundiais eclodidas no fim de 2008".
Se este tipo de observação for generalizado poderemos chegar à conclusão que, desde o fim do “milagre brasileiro”, o Brasil vive sofrendo "interiorizações de turbulências mundiais". Podem ser apontadas turbulências como o chamado choque do petróleo (1974), a crise da dívida externa (1981-83) e a crise da bolha pontocom/atentado ao World Trade Center (2000-02), fatos que nada têm a ver uns com os outros. A ser válido este raciocínio, temos de concluir que o país é perseguido por uma série de circunstâncias puramente ocasionais, um terrível azar, que vem prejudicando o seu crescimento.
Mas isso é só a aparência.
O que ocorre há mais de 150 anos no mundo e, desde 1962-64, no Brasil é a manifestação periódica de uma lei: a lei das Crises Cíclicas de Superprodução. O processo de acumulação capitalista provoca inevitavelmente a crise que se manifesta através do desequilíbrio entre a oferta de produtos (sejam eles financeiros ou materiais) e a demanda solvente.
A obtenção de lucro como objetivo da produção e a sua apropriação privada pelos capitalistas chocam-se inevitavelmente com o caráter social do processo produtivo e as necessidades da sociedade. Esta contradição manifesta-se de várias formas, através da anarquia da produção, da concorrência, dos efeitos do progresso tecnológico sobre a mão de obra, com o conseqüente aumento do desemprego, etc. Isto ocorre de forma periódica. Esta periodicidade é determinada pelos investimentos em máquinas e equipamentos que se dão através de encomendas por pacotes. Estas encomendas ocorrem assim que o nível de utilização da capacidade instalada (nuci) deixa de ser seguro. É tecnicamente impossível se comprar máquinas aos poucos, como se fossem matérias primas.
Os estímulos ao setor produtor de bens de capital (setor I) trazem um efeito de arrastamento sobre toda a economia, visto que este setor produz máquinas, mas os trabalhadores por ele contratados precisam de bens de consumo que são produzidos no setor II.
Na medida em que são entregues e instalados os novos maquinários, a demanda no setor I se reduz. Conseqüentemente, ocorrerão demissões e diminuição na produção. O efeito sobre o resto da economia é o da queda considerável do número de consumidores finais. Mas, como as máquinas no setor II já estão roduzindo, ocorrerá um excesso de oferta, dada a redução na quantidade de demandantes. Os estoques se elevam, ocorrem demissões, e a produção se reduz. Em São Paulo, por exemplo, apesar de todos os stímulos, ainda há um déficit de 180 mil vagas de empregos, entre o último trimestre de 2008 e fevereiro e 2010. O vice-presidente da fabricante de caminhões Scania, Martin Lundstedt, admite que a indústria automotiva ainda vai demorar alguns anos para retomar os antigos planos de investimentos.
O objetivo dos governos ao fazerem políticas econômicas é exatamente impedir esse arrefecimento da demanda. Na Alemanha, foi dado um pacote de € 5 bilhões para os consumidores trocarem os carros velhos por novos. A China e os EUA tomaram medidas semelhantes. Na China, apesar das pressões, o governo declarou que irá flexibilizar o câmbio lentamente, na medida em que o setor exportador retomar o fôlego. Na Europa, Alemanha e França planejam criar um Fundo Monetário Europeu, para reforçar a cooperação e a vigilância aos países da Zona do Euro. No entanto, o caso mais falado do momento é a crise orçamentária da Grécia, com um déficit de 12,7% do PIB em 2009. Estima-se que seja necessário, este ano, um montante de € 54 bi em captação para o país, dos quais apenas de € 5 bilhões foram obtidos com a venda de títulos.
No Brasil, o PAC 2 prevê um investimento de R$ 15 bi só no Plano Nacional de Banda Larga. Enquanto isso, o setor de autopeças está comemorando o que se espera ser o ano de maior volume de encomendas.
Historicamente, foi o Plano de Metas de JK, entre 1956-61, que garantiu o montante de investimento para que, em 1962-64, ocorresse a primeira crise cíclica de superprodução no Brasil. Esta foi uma exclusividade nossa, na medida em que o mundo vivia ainda os "30 anos gloriosos", os 30 anos que sucederam a 2ª Guerra Mundial, durante o qual predominou o Welfare State. Daí em diante, o Brasil seguiu esta lei que rege o capitalismo.
Assim, em 1974, o choque do petróleo não foi a causa do fim do milagre, nem na década de 80 a crise da dívida causou a superprodução, ou no início dos anos 2000 a bolha pontocom/Bin Laden causaram a crise. Estas apenas foram as formas deflagradoras do fenômeno da superprodução que já se anunciava como necessário.


Texto escrito por:

Lucas Milanez de Lima Almeida: Professor Substituto do Departamento de Economia da UFPB, mestrando em Economia pelo CME-UFPB e membro do Progeb.
Email: progeb@ccsa.ufpb.br


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domingo, 28 de março de 2010

Por quem os sinos dobram?

Semana de 01 a 07 de março de 2010

No cenário internacional, alguns acontecimentos deram a tônica das principais preocupações da semana. Um deles foi o risco de superaquecimento na China. As previsões, num cenário otimista, eram para um crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) do país de 8,4%. Diante do desempenho da economia chinesa em 2009, alteraram-se as expectativas. Em 2010, num cenário mais pessimista, o PIB daquele país cresceria 9,6% e num cenário otimista, 11,5%.
Este crescimento para além do previsto tem sido atribuído, em grande parte, aos estímulos sem precedentes, como o de 4 trilhões de renmimbis em programas de investimentos (US$ 600 bilhões, ou 12% do PIB), 950 bilhões de renmimbis (US$ 140 bilhões, ou 35% do PIB) de déficits orçamentários e 10,5 trilhões de renmimbis (US$ 1,5 trilhões, ou 31% do PIB) em novos empréstimo. O investimento, que tem sido a chave do crescimento do PIB, subiu 30% em ativos fixos em 2009, 4,6% a mais do que em 2008. A proporção investimento/PIB, estimada em 55% um ano atrás, agora passou para 67%.
Nos Estados Unidos, os fundos de hedge, que são remunerados utilizando a estratégia de fazer operações para garantir outras operações contratadas, lançaram uma forte investida contra o euro, que teve sua cotação reduzida, de US$ 1,51, para US$ 1,35, o que, na perspectiva do mega especulador Geoge Soros, só não levará o euro a bancarrota se a União Européia alterar a sua política monetária e financeira. Poucos são, no entanto, os operadores que acreditam que o valor do euro desmoronará totalmente, como ocorreu com a desvalorização da libra esterlina em 1992, na esteira de uma grande aposta, do mesmo especulador, que naquela ocasião teve um ganho equivalente a US$ 1 bilhão.
Por seu lado, o Banco Central Europeu (BCE) anunciou que retomará o seu formato padrão de agir, retirando gradualmente as medidas extraordinárias de ajuda à economia da zona do euro. Mas, o pesidente do BCE, Jean-Claude Trichet, afirmou que continuará a sua linha de empréstimos e manterá o nível baixo da taxa de juro, 1%. O BCE, além disso, manterá estáveis as previsões para o crescimento e para a inflação da zona do euro neste ano, reduzindo as previsões para o ano que vem. No interior do bloco, o governo da Grécia continuou a agir drasticamente no sentido de eliminar seu déficit de €$ 4,8 bilhões, através de medidas que impõem cortes orçamentários, como o congelamento, por um ano, das pensões dos servidores públicos e a redução de 30% dos abonos salariais além de aumentos gerais de impostos, que devem crescer em 2% sobre o valor agregado, particularmente sobre cigarros e gasolina.
No hemisfério Sul, em conseqüência do tremor de terra, agravou-se a situação econômica do Chile, com seus reflexos nos países com os quais mantém relações comerciais, principalmente os importadores do cobre chileno, que verão afetados os preços dessa matéria-prima. Outros acontecimentos de realce nessa parte do globo foram as assinaturas de um tratado de livre comércio entre o Peru e a China, que já entrou em vigor, e entre Peru e Colômbia, com a União Européia. Nesse último, o principal interesse da Europa parece ser o de exportar automóveis, máquinas, serviços, vinho e produtos lácteos. Estes tratados trarão, sem dúvidas, conseqüências para o Brasil, como por exemplo, a possibilidade de importação de produtos chineses com tarifa zero, através do Peru.
E já que falamos de Brasil, o Banco Central do país prepara uma revisão das normas para operações de câmbio. Henrique Meireles, seu presidente, afirma querer uma limpeza das regras ainda esse ano. O objetivo é o de conter a acumulação de créditos tributários criados no recolhimento dos impostos nas etapas de produção das mercadorias para exportação. Com as medidas se pretende facilitar as exportações brasileiras e aumentar a competitividade do país. Para Meireles, é preciso fazer uma limpeza das normas, eliminando regras anacrônicas e simplificando procedimentos necessários para ingressos e  remessas de moedas estrangeiras.
Enquanto no exterior, se discute o tamanho dos bancos no pós crise, no Brasil, a concentração bancária não para de avançar. Os oito maiores bancos brasileiros concentram, nesse momento, 88,6% do total do sistema financeiro, onde se destaca o Banco do Brasil, que concentra 20,1% de todos os recursos concedidos por meio de empréstimo bancário. A Caixa Econômica Federal responde por 8,8% dos empréstimos. Somando-se os bancos públicos menores e o BNDES, a participação estatal no sistema financeiro supera os 41% do total.
Comenta-se que, antes mesmo do início do ciclo de alta do juro básico pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, a taxa real de juro projetada para 12 meses está em 6%. Mesmo sem a elevação da Selic, congelada desde julho do ano passado, em 8,75%, esta taxa básica já é a maior taxa de juro real do mundo e, de acordo com o ranking organizado pela consultoria UP Trend, vem seguida pela Indonésia, com 3,6%, e pela China, com 3,3%.
Com semelhante taxa de juro aliada à desconfiança crescente no Euro e a pouca confiabilidade na economia americana, os investidores estrangeiros carreiam os seus recursos para aquisição de ativos denominados em reais. A primeira vista, isso pode parecer que a credibilidade da economia brasileira está em alta. No entanto, esta aparência não corresponde à realidade. É bastante observar a economia para constatar que o risco de inflação é uma realidade admitida por todos. A inflação medida pelo Índice de Preços do Consumidor Amplo (IPCA) fechou o ano passado em 4,3%, pouco abaixo da meta de 4,5% pretendida pelo Banco Central. Em janeiro deste ano, houve, no entanto, uma aceleração do índice, que registrou 0,75% de aumento, a maior alta mensal desde maio de 2008. Pode-se observar também que apesar do recorde de exportação, o saldo da balança comercial, em fevereiro, é o menor desde 2000 e que não houve nenhuma inovação substancial para melhorar o desempenho da economia. Esse é um país tão precário que até as multas de trânsito, que supostamente deveriam ser usadas como fundo para salvar vítimas, estão sendo desviadas e usadas para pagamento dos juros da dívida pública.
Afinal, é caso de se perguntar: “Por quem os sinos dobram?”

Texto escrito por:
Elivan Rosas Ribeiro: Professora do Departamento de Economia da UFPB e Pesquisadora do PROGEB – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira.
Email: progeb@ccsa.ufpb.br

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