sábado, 8 de outubro de 2011

Dólar sobe, real desce

Semana de 26 de setembro a 02 de outubro de 2011

Nelson Rosas Ribeiro[i]

De repente, lá se vai o real ladeira abaixo. Logo após a histórica e inesperada redução de 0,5% da taxa Selic, pelo Copom, e da divulgação da ata da reunião, começou o pânico: o dólar subiu sua cotação em reais e, consequentemente, a moeda nacional iniciou o seu processo de desvalorização. Como é possível se, ao que dizem as autoridades, a economia mundial está em crise, mas o Brasil não. Afinal, os fundamentos de nossa economia são robustos, e temos muita munição para enfrentar a catástrofe se ela por cá aparecer.

Estamos diante de mais uma prova do grau de manipulação do “mercado”, que opera criminosa e impunemente dentro das bolsas de valores onde se reúnem as mais inescrupulosas quadrilhas de assaltantes que sugam o suor e o sangue da humanidade. Além da redução de 0,5%, o Copom apontou para a possibilidade de novas reduções futuras. Com isto, instalou-se o efeito manada.

Mas, que relação poderia haver entre a redução dos juros e a cotação do câmbio?

Para nós, humildes mortais, a relação não parece lógica. O nível dos juros afeta a procura de empréstimos. Quanto mais elevados os juros, menor é o estímulo à produção e ao consumo. Quanto à taxa de câmbio, em um país que adota “a absoluta liberdade de movimento de capitais e o sagrado regime de flutuação imaculada” (nas palavras de Delfim Neto), o problema resume-se à lei da oferta e da procura. Se a procura por dólar aumenta e a oferta não acompanha, a moeda sobe de preço, isto é, o real se desvaloriza.

Mas, qual terá sido o motivo que fez a procura disparar, em poucos dias, fazendo o dólar passar, do nível de 1,60, para 1,90?

Pelo que se sabe, a balança de pagamentos vem tendo o comportamento habitual, com os déficits de praxe, e a balança comercial também mantém seus superávits. Tanto a entrada como a saída de divisas do país continuam dentro da normalidade.

De onde virá o temor que abala os “mercados”?

Ele é fruto dos movimentos dos capitais especulativos. A ameaça de sucessivas reduções na Selic apavorou os capitais que para cá vieram em busca da diferença de juros, provocando a necessidade da reconversão de reais em dólares, visando o seu retorno. Por outro lado, os agentes econômicos, que jogavam com a valorização do real, diante da iminente desvalorização, correram para passar das posições vendidas (operações em que se vendem dólares para entrega futura), para as posições compradas (quando se compra agora para recebimento futuro). Anteriormente, os bancos, apostando na valorização do real, procuravam aumentar suas carteiras de vendas de dólares para entrega futura. Com estas operações os agentes vendem, a preços atuais, dólares que não possuem, e quanto tiverem de fazer a entrega, posteriormente, compram-nos a preços mais baixos, embolsando a diferença.

Inesperadamente, a mudança da política do Banco Central (BC) trouxe o medo da valorização da moeda estrangeira o que levou todos, em manada, a tentarem comprar o máximo, antes que a cotação subisse, passando às posições compradas. Acrescente-se a isto o aumento da demanda para remessa de lucros e dividendos das empresas estrangeiras, pressionadas pela necessidade de liquidez em suas matrizes, e a antecipação de compras por todos os que tinham compromissos em dólares, ou pretendiam viajar para o exterior, e estará completo o quadro que vem provocando a valorização absurda da moeda americana.

O setor industrial festeja a valorização, pois melhoram as condições de competição, embora ainda não seja o bastante para compensar as perdas sofridas. O embaixador brasileiro na Organização Mundial do Comércio (OMC) Roberto Azevedo afirmou, em um seminário, que entre 2001 e 2008 a valorização do real foi de tal ordem que, para ser compensada, exigiria uma tarifa de importação de 180%.

Aliás, o real valorizado vinha favorecendo as importações que abasteciam a forte demanda do mercado interno, que vinha sendo empurrada pela política de distribuição de renda, pelo aumento do nível de salários e do emprego. Desse modo, o efeito de estimulo à produção, que a política econômica desenvolvimentista criava, era transferido para fora do país, favorecendo outras economias, como a chinesa. Para reverter a situação, o governo deu uma grande reviravolta na política econômica aumentando os impostos, que incidiam nas vendas de veículos com menos de 65% de nacionalização, e agora pretende estender esta medida às máquinas adquiridas através do Pronaf e aos notebooks. As indústrias de calçados e têxteis passaram também a ter um incentivo através da vantagem de 8% nos preços, nas licitações feitas pelo estado.

Enquanto o governo procura defender a economia do país, a crise desaba lá fora com violência cada vez maior. O iminente colapso do banco franco-blega DEXIA, revela a debilidade do sistema bancário que está à beira da falência.

Mais uma a vez, a solução que se procura adotar vai na direção de proteger o capital financeiro, aumentando a liquidez dos bancos, e jogando sobre o povo o rigor das medidas de contenção que provocam desemprego, redução de salários e do consumo, e a desaceleração da economia. A situação vai provocar cada vez mais revoltas que deverão ser reprimidas com violência aumentando os conflitos sociais.

Este á o quadro que o futuro nos reserva. Preparemo-nos então.



[i] Professor do departamento de Economia, Coordenador do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira progeb@ccsa.ufpb.br); (www.progeb.blogspot.com).

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Em época de crise, todos são keynesianos

Semana de 19 a 25 de setembro de 2011

Rosângela Palhano Ramalho [i]

Caro leitor.

Há duas semanas, quando o Copom resolveu promover a queda da taxa básica de juros alegando que a economia mundial enfrentaria uma recessão, a celeuma foi geral. Mas, desde aquela decisão, a conjuntura internacional só se agrava.

Uma nova série de indicadores, divulgados esta semana, tem reforçado o cenário alarmante para a economia européia. O índice de gerentes de compras para a região caiu de 50,7 pontos, em agosto, para 49,2, em setembro, atingindo a faixa técnica de contração da atividade econômica que acontece quando o índice é menor que 50 pontos. O indicador de novas encomendas também perdeu fôlego no terceiro trimestre.

Prevendo anos de estagnação, a Itália divulgou novas projeções de crescimento. Em 2011, a economia italiana crescerá aproximadamente 0,7%. Para os dois anos seguintes, o crescimento não ultrapassará 1%, fechando em 0,6% em 2012 e 0,9% em 2013.

A situação da Grécia continua a mesma e os trabalhadores gregos realizaram um novo protesto contra as medidas de austeridade fiscal implantadas como condição para o recebimento da última parcela do pacote de ajuda externa. Houve cortes de pensões e salários do setor público. O (de) crescimento da economia grega ficará em torno de 5% este ano.

A Autoridade Bancária Européia (ABE), supervisora do setor bancário na região, detectou que 16 bancos precisam urgentemente obter recursos para recapitalização. As instituições, inicialmente, devem buscar fundos no setor privado, e já começaram a corrida à Ásia para tomar emprestado de indivíduos e empresas. Enquanto isso, os governos europeus admitem a possibilidade de usar o fundo de estabilidade financeira européia de € 440 bilhões, para socorrer os bancos e garantir a estabilidade econômica do bloco.

Nem a tão falada ajuda dos Brics à Europa faria diferença na debilitada economia. Segundo o Deutsche Bank, se a China investir os € 150 bilhões de euros em títulos europeus, conforme o prometido, este montante não representa nem a metade do refinanciamento necessário aos PIIGS (Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha) que gira em torno de € 730 bilhões.

Nos Estados Unidos, o Conference Board divulgou o índice de indicadores antecedentes que subiu apenas 0,3%, em agosto, comparado a julho, e embora os pedidos de seguro-desemprego tenham caído em 9.000, em agosto, não foram criados novos postos de trabalho.

Tentando estimular a economia, o Federal Reserve lançou a “Operation Twist” que incluiu até 2012, a compra de títulos de longo prazo no valor de US$ 400 bilhões. Por outro lado, o presidente Obama lançou um pacote que, ao longo de 10 anos, pretende reduzir o déficit orçamentário americano em mais de US$ 3 trilhões. Entre as novas medidas adotadas estão o aumento do imposto de renda para as classes mais abastadas e cortes de benefícios sociais. O presidente americano mandou um recado aos insatisfeitos, enfatizando que as medidas não acentuam a guerra de classes, mas seria simplesmente uma questão de matemática.

Enquanto cada país busca soluções internas para as finanças públicas, tentando atenuar os efeitos da crise, o G-20 defendeu, em sua reunião, “ações coletivas” e sugeriu que os países assegurem a liquidez financiando os mercados e garantindo o correto funcionamento dos sistemas bancários.

A presidente Dilma, em discurso na Assembléia Geral da ONU, afirmou que a saída para a crise ainda não foi encontrada “por falta de recursos políticos, e, algumas vezes, de clareza de idéias”. E, dando conselhos, completou: “Os países mais desenvolvidos precisam praticar políticas coordenadas de estímulo às economias extremamente debilitadas pela crise.”

Até o FMI, quem diria, defendeu o uso de políticas keynesianas para combater a crise. Segundo Cristine Lagarde, chefe da instituição, as economias desenvolvidas deveriam lançar estímulos fiscais para se recuperarem da crise, pois, “sem uma arrojada ação coletiva, há o risco de as maiores economias irem pra trás.”

O fato é que a realidade comprovou, mais uma vez, a impossibilidade dos “mercados” se “auto-ajustarem” e promoverem o “equilíbrio de pleno emprego” e, mesmo com as economias debilitadas pelos altos níveis de endividamento público, em épocas de crise parece não restar alternativa: todos são keynesianos.



[i] Professora do Departamento de Economia da UFPB e pesquisadora do Progeb – Projeto Globalização e crise na economia brasileira. (www.progeb.blogspot.com)