sexta-feira, 4 de setembro de 2009

À procura de crédito

Semana de 10 a 16 de agosto de 2009



Informações divulgadas pelo Banco de Compensações Internacionais (BIS), considerado o bancodos bancos centrais, mostram que os recursos utilizados pelos governos dos países desenvolvidos nos programas de socorro às instituições financeiras não foram suficientes para “tapar o buraco”.
Preocupado com a situação o Fed, banco central dos Estados Unidos, deve injetar mais liquidez no ano que vem no intuito de evitar uma nova onda de insolvência dos bancos. O economista-chefe do BNP Paribas, Brian Fabbri, utilizou a expressão “esterilizar” ao comentar a ação do Fed de comprar papéis de agências financeiras e títulos tóxicos. O compromisso envolve um montante de 1,7 trilhão de dólares.

Para o BIS, os dispêndios realizados pelos Estados Unidos, bloco europeu e Japão, que atingem os sete trilhões de dólares, não conseguiram, até agora, aumentar as linhas de crédito dos bancos ou reduzir as necessidades de empréstimos. Diante desse cenário, continua a observar-se uma generalizada escassez de crédito, o que é uma característica da fase atual do ciclo.
Uma pesquisa realizada pela companhia financeira britânica Markit comprovou que, globalmente, as indústrias consideram que a disponibilidade de crédito atualmente reduziu-se em comparação com o trimestre passado. No Brasil, das 205 companhias entrevistadas, 17,5% reclamaram de restrição a financiamentos.
Analistas norte-americanos e europeus já vêem uma “luz no fim do túnel” quanto ao destino desuas economias. No período de abril a junho do ano corrente, o PIB da Zona do Euro teve a menor queda dos últimos cinco trimestres (-0,1%). No caso da Alemanha e da França, o resultado trimestral do seu produto interno foi positivo, de 0,3%. Para os Estados Unidos, a previsão é de crescimento do produto no terceiro trimestre, o primeiro positivo desde 2008.
Contudo, apresenta-se no atual panorama uma séria preocupação: o aumento do desemprego. Jean-Claude Trichet, presidente do Banco Central Europeu, comentou no inicio deste mês que
“mesmo quando a economia reaquecer, o desemprego poderá continuar crescendo”. Na mesma linha de pensamento, Brian Fabbri avalia que o crescimento norte-americano vem dos gastos do governo e da redução de estoques e que o desemprego continuará.
Na primeira semana de agosto, nos Estados Unidos, subiram novamente os pedidos de segurodesemprego, atingindo 558 mil requerimentos. A taxa estimada do desemprego vai passar de 9% para 11%. Os setores que mais demitiram foram o fabril e o de construção, e a tendência é de lenta absorção dos postos de trabalho, havendo o risco de algumas vagas simplesmente desaparecerem.

Nos países europeus, o setor que sentiu bastante o baque econômico foi o de turismo. No primeiro quadrimestre do ano, a queda foi de 10%. Na Itália e na Grécia, a contração chegou a 15%, onde a atividade é fonte muito importante para a renda.
No início do mês de agosto, foram divulgados dados sobre o desempenho das principaisinstituições bancárias no Brasil. Os resultados mostraram que, apesar da crise, a situação dos bancos, no primeiro semestre do ano, foi melhor do que se esperava. Conforme a consultoria Austin Rating, a rentabilidade média dos 14 bancos que já divulgaram seus balanços, em relação ao ano passado, caiu de 23%, para 19%. As razões apontadas foram a manutenção das margens de juros dos bancos privados e o crescimento do crédito por parte dos bancos públicos.

Um dos mecanismos utilizados pelos bancos privados para manter seus lucros foi o aumento dasprovisões, uma espécie de “colchão de segurança” onde estas instituições deixam o dinheiro, ao em vez de, por exemplo, emprestar. Comparando-se junho de 2008 e junho de 2009, as provisões bancárias saltaram, de R$ 55,7 bilhões, para R$ 91,9 bilhões. A principal preocupação dos bancos privados é a elevada inadimplência, que deve chegar ao auge no terceiro trimestre. Enquanto isso, o Banco do Brasil tornou-se a instituição com maior rentabilidade entre os 20 maiores bancos da América Latina e dos Estados Unidos, deslocando o Itaú Unibanco para o segundo lugar. A expansão do crédito e a incorporação de outras instituições (o BB adquiriu a Nossa Caixa, o Besc e o BEP) colaboraram para o lucro líquido de 2,3 bilhões de reais.

Animada com o resultado obtido pelo setor financeiro, a Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Confrat-CUT) passou a negociar um reajuste de 10%, com ganho real de 5%, para os seus filiados. Para o presidente da Confrat, Carlos Cordeiro, as reivindicações podem ser atendidas, pois a rentabilidade dos bancos brasileiros é superior aos europeus e as tarifas cobradas chegam a cobrir duas vezes os gastos com pessoal. Também estão em busca de reajustes salariais os sindicatos do setor industrial, porém com perspectiva incerta. Para o presidente da Federação dos Metalúrgicos de São Paulo (FEM-CUT), Valmir Marques, a negociação não será tranqüila, pois as indústrias estão com lucro menor e uma perspectiva de recuperação lenta.

O economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale, avalia que o setor industrial foi o maisafetado pela crise econômica, com queda de 13,4% na produção e 5,1% nos postos de trabalho no primeiro semestre. O nível de utilização da capacidade instalada (Nuci) da indústria de transformação foi de 79,8%, em julho, 5,6 pontos abaixo do encontrado em setembro do ano passado. As maiores quedas foram verificadas na metalurgia, nos bens de capital e na mecânica. Para os analistas, a recuperação industrial será lenta, pois a produção dos últimos meses foi destinada para a reposição dos estoques e não correspondeu a um grande aumento da demanda.


Utilização média da capacidade instalada na indústria de transformação, entre Agosto de 2008 e Agosto de 2009 - Porcentagem da capacidade máxima operacional utilizada no mês.(*)
* Para melhor visualização do gráfico clique sobre a imagem.

Fonte: FGV - Dados retirados do http://www.bcb.gov.br


Utilização média da capacidade instalada por setor industrial, entre Agosto de 2008 e Agosto de 2009 - Porcentagem da capacidade máxima operacional utilizada no mês.(*)
* Para melhor visualização do gráfico clique sobre a imagem.
Fonte: FGV - Dados retirados do http://www.bcb.gov.br

Os segmentos que menos sofreram com a crise foram os de alimentos e medicamentos, e um dos setores com demanda a ser expandida é o de construção, em razão das obras do programa habitacional federal e do financiamento de imóveis com juros reduzidos.
Confirmam-se assim os prognósticos de que a economia situa-se próxima ao fundo do poço e arecuperação será lenta, com pouca criação de postos de trabalho e dificultada ainda mais pelas restrições do crédito.



Texto escrito por:
Maria Carolina Costa Madeira: Jornalista, mestranda em Economia da UFPB e pesquisadora do PROGEB – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira.
Email: progeb@ccsa.ufpb.br

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quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Fundo do poço à vista

Semana 03 a 09 de agosto de 2009


É verdade, o fundo do poço está às nossas vistas. O problema é saber exatamente onde ele está: se adiante do pára-brisa ou no retrovisor. Os integrantes do governo brasileiro garantem que a crise já é coisa do passado e, portanto, pode ser vista pelo retrovisor. Porém, algumas considerações devem ser feitas.
O mundo dá sinais de que o pior da crise está passando. Ou seja, os indicadores apontam uma diminuição no ritmo de desaquecimento da produção, revelando que a economia ainda se encontra na fase de desaceleração. Isso nos faz questionar a afirmação sobre a ultrapassagem do fundo do poço. Entretanto, fica a pergunta: quais os parâmetros que estão sendo utilizados para se fazer tal afirmação?

Vejamos o que os fatos nos revelam.

Na Espanha, o emprego recua a taxas decrescentes há três meses. Nos EUA, o corte de empregos atingiu, no mês de julho, o menor patamar em 11 meses, ao registrar o fechamento de 247 mil vagas (no mês passado, a cifra foi de 443 mil). Já o abalado setor automobilístico deste país vive um momento de esperança. Empresas como a Hyundai, a Ford e a GM anunciaram a retomada da produção em fábricas fechadas durante a crise, graças aos incentivos do governo Obama.


OCDE - Crescimento do PIB no 2º trimestre de 2009
Variação % em relação ao trimestre imediatamente anterior e a igual trimestre do ano anterior
(*)
* Para melhor visualização do gráfico clique sobre a imagem.

Fonte: OCDE Quarterly National Accounts - Disponível em http://www.iedi.org.br

Em contrapartida o setor de serviços apresentou, em julho, seu décimo mês consecutivo de declínio, mas com um ritmo superior ao de junho, e a renda do consumidor americano caiu 1,3% no mesmo mês.
O índice ISM (do inglês Institute for Supply Management), que mede a expansão (acima de 50) ou retração (abaixo de 50) de um setor, mostrou que a contração da atividade econômica se dá a passos cada vez mais lentos nos EUA e Europa. Ao subir 4,1 pontos, atingindo 48,94 pontos, a indústria estadunidense alcançou o ritmo de contração mais lento, desde agosto de 2008. Na Inglaterra e no Japão os números foram 50,8 e 52,8, respectivamente.

O estudo atribui isso ao reflexo da queima de estoques, aliada a uma recuperação chinesa.

No Brasil, a indústria cresceu 3,4%, no 2º trimestre em comparação com o 1º e 0,2% de maio a junho, sendo puxada principalmente pela indústria de bens de capital (2,1%). De janeiro até julho, esta última teve um crescimento médio de 5,5% ao mês e as vendas cresceram 10,6%, em junho em comparação com o mês anterior. Já as vendas de todo o setor industrial atingiram um crescimento de 3,8% no mesmo período. Com a eliminação de efeitos sazonais, o crescimento foi de 1,6%. Está é a segunda expansão consecutiva e a quarta no semestre.


Produção Industrial - Indústria geral (*)
* Para melhor visualização do gráfico clique sobre a imagem.
Fonte: http://www.cni.org.br


Variações da produção industrial - Julho 2009(*)
* Para melhor visualização do gráfico clique sobre a imagem.
Fonte: IBGE - Disponível em: http://www.iedi.org.br


E o eufórico mercado de veículos, por sua vez, teve um mês de julho acima das previsões aolicenciar 285,4 mil unidades. O acumulado do ano já chegou a 1,735 milhões de unidades, representando um avanço de 2,34% em relação aos mesmos sete meses de 2008. O segmento de motos é que não tem estado bem. Entre janeiro e julho, a queda chegou a 20,9%.

Ainda assim, a Confederação Nacional das Indústrias fez um alerta sobre os indicadores de junho, os quais “ainda não apontam uma trajetória definida de recuperação da atividade industrial”. O nível de utilização da capacidade instalada, na indústria de transformação, diminuiu de 79,8% em maio, para 79,3% em junho. Neste último mês, o emprego industrial recuou 0,1%, diante do mês anterior (menor queda em oito meses). No acumulado até junho, esse número foi de 5,1%.
Além do que já apresentamos, há outros dados que nos mostram que o que está ocorrendo é uma
grande queima de estoques, característica desta fase do ciclo.
De acordo com a Fundação Getúlio Vargas, em janeiro, as empresas com estoques excessivos chegavam a 21,8% do total, ao passo que nenhuma delas declarou ter estoques insuficientes. Em maio, o número chegou a 14,1%, mas as que tinham estoques insuficientes eram 3,3%. Em junho, apenas 12,4% das indústrias de transformação tinham estoques excessivos, mas 5,9% delas declararam ter estoques insuficientes.

Entre os motivos apontados para a existência de dados mais favoráveis estão as novas condições de financiamento do BNDES e de outros bancos públicos somadas aos incentivos fiscais, como a redução do IPI. Isso estimulou as empresas a anteciparem ou retomarem os seus investimentos em modernização ou ampliação da capacidade produtiva.

Alertamos, portanto, aos nossos leitores que, ao ouvirem alguém falar que o fundo do poço é visto
pelo retrovisor, reflitam e olhem para frente. O fundo do poço ainda está lá. Cuidado!

Texto escrito por:
Lucas Milanez de Lima Almeida: Professor Substituto do Departamento de Economia da UFPB, Mestrando em Economia pelo CME-UFPB e membro do Progeb.
E-mail: progeb@ccsa.ufpb.br

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