sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Algumas Consequências da Política do Saci Macroeconômico

Semana de 24 a 30 de janeiro de 2010

Já faz algum tempo que estamos chamando a atenção para os perigos da política econômica do governo, a saber, a política do Saci Macroeconômico. Ao invés do tripé, câmbio flutuante, superávit primário e metas de inflação, a política econômica, desde o início do governo do PT, tem um único pé, como um saci: "sustentar" a inflação em um nível determinado.

A meta para a inflação de 2010 era de 4,5%. Porém, o índice oficial do governo para o cálculo da meta inflacionária, o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), registrou, no ano passado, um aumento de 5,9%. Para 2011 a meta é a mesma, com a diferença de que este não é um ano de eleições, ou seja, o BC pode adotar políticas econômicas e medidas “macroprudenciais” bem mais restritivas.

O provável crescimento de 7,5% do PIB em 2010 causou, segundo o Comitê de Política Monetária (Copom), uma pressão inflacionária na economia brasileira, na medida em que a demanda aumentou e a oferta não a acompanhou. Por isso, desde dezembro, foram tomadas medidas de restrição do crédito, tais como o aumento do depósito compulsório e do requerimento de capital para realização de alguns empréstimos. Como consequência, ocorreu uma elevação de, em média, 0,2% nas taxas de juros. O resultado da última reunião do Copom, onde se decidiu elevar a Selic para 11,25%, vem somar-se a isso. O motivo para o aumento foi a elevação do IPCA entre 15 de dezembro de 2010 e 15 de janeiro de 2011, que atingiu 0,76%, ante 0,69% entre 15 de novembro e 15 de dezembro de 2010. Este é o "cenário inflacionário" que levou o BC a apostar em um novo aumento dos juros básicos nos próximos meses.

Ao elevar a taxa Selic, o Banco Central estimula a entrada de capital estrangeiro no país, pois lá fora há uma abundância de capitais e uma baixíssima remuneração (nos EUA, por exemplo, a taxa básica de juros está entre 0% e 0,25%). Como boa parte dos títulos brasileiros é cotada em real, para comprá-los, é necessário que se troquem os dólares pela moeda local, aumentando assim a oferta de moeda estrangeira e, consequentemente, reduzindo a taxa de câmbio, isto é, tornando o dólar mais barato. No ano passado, quando a Selic ficou entre 8,75% e 10,25%, o país registrou uma entrada líquida de US$ 24,354 bilhões, 15% menos que em 2009, quando os juros variaram entre 8,75% e 12,75%. Por outro lado, em 2010, o BC comprou US$ 41 bilhões para conter a apreciação do real.

Uma consequência direta disto é o chamado "carry trade", uma operação onde se capta dólar barato no exterior para vender ao BC e, com os reais obtidos, fazer aplicações com retornos maiores. Isto explica o crescimento do crédito externo ao Brasil que foi de 1.447% nos três primeiros trimestres de 2010 em comparação com o mesmo período de 2009. O total de crédito oferecido por instituições financeiras estrangeiras, inclusive em moeda local, chegou a US$ 447,7 bilhões. Das instituições financiadoras, em primeiro lugar estão as espanholas (US$ 168 bi), seguidas das norte-americanas (US$ 79 bi.) e britânicas (US$ 76 bi). As empresas brasileiras também captam diretamente recursos no mercado internacional e, este ano, o total já atingiu US$ 10,3 bilhões.

Mas, o BC parece não aguentar mais esta política. Este ano, até o dia 21 de janeiro, o Brasil apresentou um fluxo líquido positivo de US$ 9,205 bi, enquanto que o BC só comprou US$ 3,927 bi no mercado à vista. O motivo seria o elevado custo de manutenção das reservas cambiais, que estão atualmente em US$ 295,9 bi. Para o país, sai caro devido a diferença entre os juros internos e externos, e estima-se que este custo atualmente gire em torno de 1% do PIB. Se as reservas estiverem saturadas, e o BC não intervir mais no mercado como comprador, não há como "controlar" a taxa de câmbio, que tenderá a cair.

Com a valorização da moeda local surgem os problemas para a balança comercial.

Em termos de volume, o país importou, no ano passado, 13,9% mais do que em 2008, enquanto as exportações caíram 2,2% na mesma comparação. O saldo da balança comercial, porém, só não foi negativo porque o preço médio dos produtos importados caiu (ficaram 8% mais baratos), enquanto aumentou (4,4%) o preço médio dos produtos exportados (em sua maioria commodities).

Esta é a tendência do modelo Saci Macroeconômico. Como toda tendência, é fácil saber onde vai parar. O difícil é mudar sua trajetória.


Texto escrito por:
Lucas Milanez de Lima Almeida: Mestre em Economia, professor Substituto do Departamento de Economia da UFPB e pesquisador do Progeb. (www.progeb.blogspot.com.)

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Uma China incomoda muita gente... Com guerra cambial incomoda muito mais...

Semana de 17 a 23 de janeiro de 2011

Em sua primeira reunião do ano e sob nova gestão, o Copom, como já era esperado, puniu o consumidor aumentando a taxa de juros Selic em 0,5%. Com uma taxa de 11,25%, fica cada vez mais claro o esforço que o novo governo está exercendo para desacelerar a economia. A inflação é de demanda, dizem eles. É necessário aumentar os juros! O que fazer, então, com a pressão inflacionária, que começa a ser observada pelo aumento dos preços das commodities, ou seja, por um choque de oferta? Não é necessário usar sua bola de cristal, caro leitor. Afinal, o mesmo remédio curará todos os males. Maravilhoso para os bancos, ruim para o povo, ruim para o setor produtivo, ruim para o governo. Os bancos recebem remunerações maiores (já planejam aumentar o spread), o povo paga mais pelo crédito, o setor produtivo cresce menos (a expansão da indústria de transformação cairá de 10,2% em 2010 para 5,4%, este ano) e o governo remunera a uma taxa maior que a Selic grande parte dos seus títulos, que atraem dólares para o país, que valoriza o real, que obriga o governo a comprar dólares, que aumenta a quantidade de moeda doméstica em circulação, que gera inflação, que é combatida com o aumento dos juros... Onde vamos parar?

Segundo alguns economistas, o Banco Central deveria ser mais “comedido” no seu ciclo de alta dos juros, pois, além da inflação, existe a questão cambial. Um estudo realizado para os emergentes, Brasil, China, Índia, México, Turquia, Coréia do Sul e África do Sul, constatou que o maior perdedor da guerra cambial foi o Brasil que apresentou a maior inflação, o maior juro e a maior apreciação cambial. Aliás, tanto interna quanto externamente, este assunto nunca foi tão discutido. A guerra do câmbio voltou à tona com a visita do presidente chinês aos Estados Unidos esta semana.

Nesse encontro, para aliviar a tensão entre os dois países, a China prometeu importar US$ 45 bilhões em produtos americanos. Segundo os EUA, os acordos com os chineses deverão criar internamente 235 mil empregos. Mas, em relação à questão cambial, não houve avanços. O governo chinês se mostrou pouco preocupado com a pressão norte-americana em relação à valorização do yuan. O presidente, Hu Jintao, declarou que um sistema monetário baseado no dólar é “produto do passado”. Nada o convence a valorizar sua moeda, nem mesmo o assombroso monstro da inflação, levantado pelos Estados Unidos.

A participação da China na economia norte-americana tem aumentado bastante nos últimos anos. Em 2010, as empresas chinesas gastaram, em projetos e aquisições, US$ 4,9 bilhões nos EUA, frente a US$ 2,2 bilhões em 2009. Além disso, o país é o maior detentor de títulos do Tesouro americano. Investindo também na agricultura desde 2002, os chineses entraram no cultivo de cítricos através do aumento da área cultivada e vêm incomodando os agricultores norte-americanos. A Flórida, principal estado produtor de laranjas do país, encomendou uma investigação de como os chineses planejam se tornar uma potência neste setor que é dominado atualmente pelo Brasil, com 55% do mercado, e pela Flórida, com 30%.

Mas, os sucessos da economia chinesa não a libertam dos problemas internos. O país elevou o depósito compulsório pela quarta vez consecutiva em apenas dois meses, para conter o aumento de novos empréstimos, e as reservas cambiais já somam US$ 2,85 trilhões. O governo já prometeu usar as reservas “politicamente”, comprando quantias indeterminadas de títulos europeus, mas, na verdade, o país não sabe o que fazer com este rio de dinheiro e já permitiu que parte da moeda estrangeira recebida pelos exportadores fique no exterior.

Apesar dos problemas internos, a economia chinesa está conseguindo superar a herança maldita de exportadora de produtos de baixo valor agregado e se transformando numa produtora e exportadora de produtos de alta tecnologia e, dependendo da metodologia adotada para o cálculo do PIB, já se pode dizer que a China alcançou o posto de maior potência mundial.

A agressividade chinesa, então, não se limita apenas a um país. A guerra cambial declarada acabou se tornando uma guerra comercial mundial. O nosso ministro da Fazenda, Guido Mantega, pretende propor à OMC que o problema do câmbio chinês seja tratado como um subsídio à exportação, tese que passa a ser defendida por alguns países.

Arraigada por tantas contradições, não se sabe qual o rumo que a economia chinesa tomará. O fato é que se a China incomoda muita gente, atrelada a uma política cambial perversa, incomoda, incomoda muito mais.


Texto escrito por:

Rosângela Palhano Ramalho: Professora do Departamento de Economia da UFPB e pesquisadora do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira. (www.progeb.blogspot.com)