sábado, 14 de agosto de 2010

Leis e particularidades do cenário econômico atual

Os Sinais da Mudança de Fase do Ciclo Econômico Brasileiro
Semana de 02 a 08 de agosto de 2010


A despeito do consenso geral de que a liberdade é um direito básico de todo e qualquer agente econômico, acontecimentos recentes parecem demonstrar que este princípio tem opositores dentro das três principais classes do Modo de Produção Capitalista: os proprietários de terras, o proletariado e a burguesia.

No Brasil, para o cumprimento da primeira etapa de um acordo de desmatamento zero na Amazônia feito com o Greenpeace, os frigoríficos Marfrig, JBS e Minerva anunciaram, no mês passado, que deixaram de comprar gado de 221 fazendas, visto que estas estavam localizadas em terras indígenas, em território destinado à conservação ambiental ou próximas a áreas recém-desmatadas. Além disso, 1.787 propriedades estão sendo avaliadas pelas três empresas. Tais medidas, contudo, não agradaram a Associação de Criadores de Mato Grosso, a Acrimat, que, em nota divulgada nesta quinta-feira, dia 5, afirma que sua assessoria jurídica averiguará a legalidade da ação dos frigoríficos, já que, segundo eles, compete ao Estado fiscalizar a legalidade das propriedades e não aos frigoríficos. O que espanta é que, em nenhum momento, passou pela cabeça da diretoria da Acrimat, antes de quererem impingir a compra da matéria-prima produzida pelos seus associados, que, no regime de propriedade privada, compete aos frigoríficos e a mais ninguém, a decisão sobre a escolha de seus fornecedores.

Na Espanha, o governo, representante político da classe dominante em qualquer regime, estuda uma medida de “incentivo ao emprego”: o corte do seguro desemprego do desempregado que recusar uma proposta de emprego. Tal medida aparece em um momento em que o desemprego espanhol ultrapassou os 20%, sendo a maior taxa entre os países da União Européia. Mesmos que a ação do governo tenha o intuito de combater não só a crise, como também o crescimento do déficit orçamentário, não se pode deixar de lembrar que, dependendo dos termos desta medida, o Estado estará obrigando os trabalhadores a aceitarem empregos que não condizem com o seu nível de qualificação ou até mesmo que não correspondem à sua área de atuação.

Sem ficar para trás no quesito de restrição da liberdade, o movimento sindical brasileiro fez da Convenção 158, aprovada em Genebra pela Organização Internacional do Trabalho, uma das suas principais bandeiras, ao lado da redução da jornada de trabalho. Se aprovada no Brasil, tal convenção impediria as empresas de demitirem seus funcionários sem justa causa. Ou seja, mesmo que não tenham para quem vender a sua produção e queiram tentar evitar a falência com uma redução da produção para uma possível retomada da atividade no futuro, as empresas deverão manter seus funcionários a qualquer custo.

Tais acontecimentos são exemplos de formas de manifestação inusitadas que as contradições de classe podem assumir no Modo de Produção Capitalista e constituem aspectos particulares do quadro econômico atual. Mas, particularidades a parte, a manifestação de uma lei do regime econômico atual, a “Lei Geral de Acumulação Capitalista”, está em evidência na economia dos Estados Unidos. O chefe do escritório do Financial Times em Londres, Edward Luce, em artigo publicado no Financial Times de Washington, constata o esmagamento da classe média americana e a estagnação da renda da grande maioria da população, enquanto cresce substancialmente a renda de uma pequena minoria. Segundo ele, “a renda atual dos 90% de famílias menos bem de vida nos EUA permaneceu essencialmente inalterada desde 1073 – tendo crescido apenas 10% nos últimos 27 anos.” Apesar desta estagnação, “No mesmo período, a renda do 1% das famílias mais ricas triplicou.” Segundo a maioria dos economistas, a tendência que eles denominam de “estagnação do salário mediano” vem se intensificando atualmente. No último ciclo de expansão estadunidense, de janeiro de 2002 a dezembro de 2007, a renda familiar americana mediana diminuiu US$ 2 mil dólares.

Saber diferenciar aspectos particulares e gerais, ou seja, saber diferenciar as leis de desenvolvimento dos fenômenos das suas exceções constitui tarefa primordial de qualquer cientista. Enquanto algumas características do cenário atual são particulares a ele, outras se desenvolvem desde o início do sistema capitalista e, em virtude disto, têm uma evolução extremamente previsível, como a crescente pauperização da população nos EUA.


Texto escrito por:

Antonio Carneiro de Almeida Júnior: Economista, Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Econômico da UFPR, PPGDE/UFPR, e pesquisador do PROGEB - Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira.

Email: progeb@ccsa.ufpb.br

domingo, 8 de agosto de 2010

A canoa está fazendo água

Semana de 26 de julho a 01 de agosto de 2010

Mais uma vez a realidade mostrou que temos razão. Até o Banco Central (BC) está sendo forçado a admiti-lo. Segundo Octávio Barros, economista do Bradesco, “a desaceleração da atividade é clara o suficiente para fazer o BC alterar o ritmo da elevação dos juros”. Com efeito, o Conselho de política monetária (Copom) reduziu o ritmo de elevação dos juros para 0,5% na última reunião, e agora, com a divulgação da Ata, foi necessário ler nas entrelinhas o conjunto de desculpas esfarrapadas escritas em linguagem cifrada. As fofocas são muitas, e há quem pense em mudanças qualitativas dentro da diretoria do BC, com o afastamento de alguns “xiitas” ortodoxos seguidores do presidente do BC, Henrique Meirelles. Agora, se fala em “influência externa deflacionária e menor crescimento global” e em “uma trajetória mais condizente com o equilíbrio de longo prazo”, e projeta-se o horizonte da análise para 2012 e não para 2011 como era costume.

Por traz desta mudança de atitude do BC estão a impaciência do governo em ganhar as eleições e o medo, que cresce, da desaceleração da economia. O próprio BC, através do Índice de Atividade por ele calculado, já havia detectado esta desaceleração desde maio. Em junho, ela continuou e culminou no crescimento negativo do PIB em julho. Com isto, as estimativas de crescimento para este ano, que eram de 7,3%, já começaram a cair para 7%. O Ministério da Fazenda calculou que, em junho, o crescimento caiu para 0,7% e, em julho, conforme mencionado anteriormente, foi negativo: -0,1%. O crescimento do PIB, no primeiro trimestre, que foi de 2,7%, foi reduzido para 0,5%, no segundo trimestre e, no terceiro, continuará em baixa. A estimativa de 7% para o PIB do ano já está sendo corrigida para 6,5%. Até setembro, não se espera recuperação. Diante desta realidade, o secretário de política econômica, Nelson Barbosa, justificou que isto será resultado da queda da demanda externa que, até o final do ano, terá uma contribuição negativa de -2,1%, o que afetará o PIB, apesar do crescimento da demanda interna que deverá ser de 8,5% a 9%.

Enfim, eis o reconhecimento do que nós já previmos, desde o inicio do ano. O Brasil não pode ter um processo de recuperação sólido isolado deste velho mundo globalizado. E isto, apesar de todo o esforço do governo para forçar a recuperação. Para a tristeza do Ministério da fazenda, o país não agüentou manter as desonerações fiscais por mais tempo. No entanto, tem conseguido segurar o esforço de crédito oficial através do banco do Brasil (BB), da Caixa, do BNDES e do BN. Só o BB aumentou seus empréstimos em 36% no primeiro trimestre deste ano, atingindo R$ 327,4 bilhões. O BNDES recebeu um empréstimo de R$ 100 bilhões do Tesouro Nacional, lastreados nas emissões de títulos indexados à Selic (10,75% a.a.). O mesmo BNDES foi autorizado a fornecer empréstimos a taxas subsidiadas no Programa de Sustentação do Investimento (PSI). Isto mostra que a bondade do governo recai sobre o bolso do contribuinte que pagará a diferença dos juros.

Os outros programas do governo, como os programas sociais e o de habitação, também continuam tendo um poderoso efeito de arrastamento que se reflete nos índices de produção de todas as empresas relacionadas com a construção civil e na criação do terceiro turno de trabalho em muitas delas.

No conjunto da indústria, no entanto, a situação não vai muito bem. Um estudo feito pela UFRJ demonstra que, no primeiro semestre do ano, o valor das exportações de produtos industriais igualou-se ao das importações. Ora, há cinco anos atrás, as exportações eram 66% superiores às importações. Os valores exportados pela indústria tradicional ficaram 87% inferiores aos daquele período. Isto certamente tem forte influência da política cambial do BC e da falta de uma política industrial do governo.

O efeito da política cambial, além disso, tem outras conseqüências. No mês de junho, as contas externas apresentaram um rombo de US$ 5,18 bilhões. Os Investimentos Estrangeiros Diretos (IED) causaram grande decepção, pois, dos US$ 1,5 bilhões estimados, só chegaram ao país pouco mais de US$ 700 milhões. Para piorar a situação, os capitais estrangeiros enviaram, para fora do país, lucros no valor de US$ 1,728 bilhões.

Como havíamos previsto, a política econômica praticada pelo governo, sob a influência do BC, sob o comando do H. Meirelles, continua a dificultar as intenções do próprio governo, desesperado para manter o ritmo de crescimento da economia a qualquer custo, diante da aproximação das eleições.


Texto escrito por:

Nelson Rosas Ribeiro: Professor do Departamento de Economia da UFPB e coordenador do Progeb-Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira. Email: progeb@ccsa.ufpb.br