quarta-feira, 13 de julho de 2011

O câmbio e a desindustrialização

Semana de 04 a 10 de julho de 2011

Rosângela Palhano Ramalho [i]

Já é de conhecimento do leitor que a economia mundial vai muito mal, principalmente nos EUA e Europa. O leitor também sabe que a situação no Brasil não é a das melhores. Embora a produção industrial, segundo o IBGE, tenha subido 1,3%, em maio, frente a abril, é possível detectar que a desaceleração, anunciada no mês passado, não é generalizada. O setor de bens duráveis cresceu 2,7% e o de bens de capital 1,7%, mas o crescimento ainda é considerado moderado. Setores como o siderúrgico, o elétrico, o eletrônico e o têxtil perderam fôlego no segundo trimestre, mas o setor calçadista e os fabricantes de eletrodomésticos vão muito bem, obrigado. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) chegou à mesma conclusão: houve dubiedade nos dados da pesquisa de maio, o que indica uma moderação da atividade econômica. Das 19 atividades industriais pesquisadas, algumas apresentaram alta expansão e outras, queda. Tal fato, não preocupa o governo. Afinal, este desaquecimento foi desejado desde o início do ano.

Por outro lado, o ministro da Fazenda, Guido Mantega declarou em Paris que vem perdendo o sono por causa de outro problema: a valorização cambial. O governo, preocupado, ainda não decidiu que medidas tomar e declarou ter ciência “de que não há, no instrumental da área econômica, uma providência capaz de mudar o curso da taxa de câmbio.” Segundo a Fazenda, “...é uma briga sem fim. Os mercados são muito criativos, fechamos a porta, eles entram por outra...” O fluxo excessivo de capitais foi combatido com o aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) mas o capital continua a entrar no Brasil de forma camuflada. As intervenções no mercado de câmbio através dos leilões cambiais também não têm dado bons resultados.

Para piorar a situação, segundo a presidência, os últimos movimentos do câmbio não decorreram apenas do ingresso de capitais, mas também da especulação do mercado. Para se ter uma idéia, só na segunda quinzena do mês de junho, os “investidores” de moeda estrangeira ganharam 3,1% com a variação cambial do período, pois o dólar caiu de R$ 1,61, para R$ 1,56. Entre 17 e 30 de junho, esta queda do câmbio garantiu aos especuladores um ganho maior que o investimento em um título do Tesouro americano. Um título norte-americano, com prazo de 10 anos, demoraria quase 2 anos para ter este rendimento e se igualar ao ganho cambial no Brasil.

Há quem chegue a dizer que estamos vivenciando um processo de desindustrialização, disse Mantega, e isto, para ele, não é verdade. Questionado sobre o processo, o ministro afirmou que os investimentos estão em um patamar “considerável".

O que seria um patamar “considerável”?

Sérgio Lamucci, colunista do Jornal Valor Econômico, frisa que, além das questões estruturais já conhecidas, como a elevada carga tributária, falta de infraestrutura e altos custos de produção, a indústria enfrenta o câmbio elevado. Segundo ele, o índice câmbio efetivo/salário recuou 50%, entre 2000 e 2010, o que denota a dificuldade da indústria, porque quanto mais baixo for este indicador, maior será a dificuldade de competição.

Já presenciamos a união entre burgueses e proletários com a intenção de salvar a indústria. Esta semana, funcionários de montadoras do ABC paulista (Volkswagen, Mercedes Benz, Toyota, Scania e Ford), de outras fábricas da região e os metalúrgicos da cidade de São Paulo cruzaram os braços, não para reinvidicar aumentos salariais, mas para protestar contra o aumento da presença de veículos e de outros produtos importados no mercado interno. Segundo os trabalhadores, a marcha pela Via Anchieta busca alertar o governo para a perda de competitividade da indústria em virtude da valorização do real e dos altos impostos.

Embora o setor produtivo proteste, o governo faz vista grossa às manifestações, anunciando uma política industrial indefinida. O ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Fernando Pimentel, disse que a nova política industrial terá subsídios e desonerações tributárias e de insumos muito fortes, para que se viabilize o investimento em pesquisa e desenvolvimento. Mantega divergiu de Pimentel e disse não saber se a política estará pronta, até o fim do mês, e ainda disse que poderia haver alguma desoneração para investimentos, mas que ainda depende de estudos e descartou a desoneração dos insumos. A contradição entre os ministros mostra o quão preocupado o governo está com a questão.

E, segundo assessores, a presidente está mais preocupada com a inflação do que com a valorização da taxa de câmbio, que provoca a desindustrialização. Nesse sentido, Mantega comanda o coro do governo: “Vamos deixar de subir os juros por causa do câmbio? Não, não vamos deixar. (...) Se necessário for, o juro subirá quando o BC achar necessário. (...)” Vencido, o ministro conclui: “a indústria brasileira terá que conviver com o real forte.”

O pretexto do combate prioritário à inflação alimenta a fome insaciável do capital financeiro. Com isso, o governo alimenta o vampiro dos juros e está matando a indústria brasileira!



[i] Professora do Departamento de Economia da UFPB e pesquisadora do Progeb – Projeto Globalização e crise na economia brasileira. (www.progeb.blogspot.com)

segunda-feira, 11 de julho de 2011

XVI ENCONTRO NACIONAL DE ECONOMIA POLÍTICA

O XVI Encontro Nacional de Economia Política (ENEP), promovido pela Sociedade Brasileira de Economia Política – SEP, realizou-se entre os dias 21 e 24 de junho de 2011 na Universidade Federal de Uberlândia, situada na cidade de Uberlândia-MG. O PROGEB – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira, esteve representado no Encontro pelos professores Nelson Rosas Ribeiro, coordenador do projeto, e Lucas
Milanez de Lima Almeida. Os professores apresentaram em uma das sessões ordinárias o trabalho intitulado “Valor, valor de troca e mercado: o falso problema da transformação”.
Dos 299 trabalhos inscritos no ENEP, 99 foram aceitos para apresentação nas sessões ordinárias e 29 nas comunicações. Estima-se que o número total de participantes foi de 400 pessoas, incluindo os apresentadores de trabalhos, ouvintes, estudantes e convidados.

Após o ENEP, realizou-se a Assembléia Geral da SEP, a qual aprovou a Carta de Uberlândia, onde a entidade expõe sua opinião sobre a atual situação econômica do país.

XVI ENCONTRO NACIONAL DE ECONOMIA POLÍTICA

Carta de Uberlândia

O segundo mandato do governo Lula encerrou-se sem que os principais problemas econômicos e sociais do país tenham sido enfrentados. Apesar disso, naquele momento, o índice de aceitação do presidente atingiu 86%, para o qual contribuíram fortemente, o crescimento do PIB em 2010, a recuperação parcial, mas expressiva, do valor do salário mínimo e os programas sociais assistenciais, principalmente o Programa Bolsa Família. Boa parte dos brasileiros que votou em Dilma Roussef para presidente o fez para garantir essa continuidade.

Iniciado o governo Dilma, o que estamos assistindo? De um lado, a repetição da manutenção quase exclusiva da prioridade do regime de metas para a inflação, o que supostamente provocou a elevação da taxa de juros básica, cortes e contingenciamento do orçamento da União, a restrição ao crédito e o recrudescimento do processo de apreciação cambial. De outro, o retorno da política de privatizações e das parcerias público-privadas, conforme eufemismo governamental, e a manutenção de vultosos superávits primários.

Em suma, no plano econômico, continuamos com uma das taxas de juros mais elevadas do mundo, o que torna o país presa fácil dos especuladores, nacionais e internacionais, fragilizando sua situação na conta de transações correntes. Por sua vez a valorização do real, que em alguns momentos atingiu níveis antes impensáveis, começa a colocar em risco a viabilidade econômica de vários setores industriais, o que não pode ser contrabalançado indefinidamente com reduções tributárias e expõe o país à possibilidade de uma crise de balanço de pagamentos em um futuro próximo.

E tudo isso em meio a uma crise econômica internacional que está longe de ter terminado, vide a situação da maioria dos países do continente europeu, onde segmentos crescentes de sua população têm ido às ruas se manifestar contra as “políticas de ajuste” impostas pelo FMI, com aumento de desemprego e reduções de salários e pensões dos aposentados. A Europa, à deriva, mostra quão frágil é a situação da economia brasileira, sujeita aos humores do capital especulativo e fortemente dependente da valorização das commodities.

Tomado em conjunto, o atual momento expressa à perfeição quão estreitos são os limites colocados pelas escolhas feitas pelos últimos governos, que procuraram fazer a economia crescer e a distribuição de renda melhorar sem resolver seus problemas estruturais e sem alterar a distribuição da propriedade e a relação entre salários e lucros, ou, em poucas palavras, acreditando que era possível servir simultaneamente a dois senhores.

É preciso começar a construir uma política econômica que supere esse quadro. Mas, no plano econômico, isso somente poderá ser feito com o abandono da camisa de força em que se constitui o regime de metas para a inflação e com o enfrentamento dos interesses daqueles que se beneficiam dos juros elevados e da insensata valorização de nossa moeda. Ademais, o tripé metas para a inflação, metas de superávit fiscal e câmbio flexível, com livre mobilidade de capital, com o crescente predomínio da produção agroindustrial e da exportação de commodities, não permite um desenvolvimento econômico pujante e sustentável econômica e ambientalmente. Muito pelo contrário, nos últimos anos a economia brasileira cresceu a taxas insuficientes para superar nossas carências econômicas e sociais históricas, e perseguir os desafios de uma sociedade avançada do século XXI. No plano geral e social, é preciso enfrentar os determinantes da pobreza absoluta e relativa, que não podem ser eliminados tão somente com políticas de transferência de renda, muito embora estas minimizem as agruras sofridas pelas famílias em pior situação.

Para que o Brasil caminhe na direção de um projeto de desenvolvimento nacional, autodeterminado politicamente e fraterno socialmente, é fundamental o aprofundamento radical da democracia política e econômica, com redistribuição do poder político, da renda e da riqueza, especialmente da propriedade da terra. Para isso é necessária a alteração das políticas econômicas neoliberais predominantes nos últimos governos, como bem demonstraram as discussões e os trabalhos apresentados neste XVI Encontro da Sociedade Brasileira de Economia Política.


Uberlândia, 24 de junho de 2011