sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Intervenção de novo? Até quando?

Semana de 12 a 18 de setembro de 2011

Lucas Milanez de Lima Almeida [i]

Poucos são os que duvidam que a crise, iniciada com a bolha especulativa imobiliária estadunidense, ainda persiste no cenário mundial. Apesar de parecermos repetitivos com este assunto, não somos. O problema é que, a todo momento, as economias do planeta emitem sinais de que a má fase está longe de ter acabada.

Entre março de 2010 e julho de 2011, as vendas no comércio brasileiro cresceram 5,7%. Este dado é positivo, mas o setor industrial está preocupado. É que, no mesmo período, a renda do brasileiro aumentou, mas a produção física da indústria recuou 0,65%. Isto se torna um problema na medida em que demonstra que, a produção local perdeu espaço para os produtos estrangeiros.

No acumulado deste ano, de janeiro a julho, dos 20 setores da indústria de transformação, 18 tiveram um crescimento maior das importações do que da produção local, quando comparamos com o mesmo período de 2010. Destes, seis tiveram uma redução na produção. A causa dos indicadores negativos é a taxa de câmbio.

Mas, o IBGE já prevê uma redução na taxa de crescimento do comércio nos próximos meses. O motivo apresentado seria a política econômica restritiva, praticada desde o fim das eleições de 2010. O mais provável é que a crise reduza, naturalmente, o consumo e as importações sejam desaceleradas pela valorização do dólar, frente ao real. Esta última ocorrerá graças à saída de capitais do país, tanto como remessa de lucros, como pela fuga dos capitais especulativos desestimulados com a redução da Selic (embora continuemos a pagar os mais elevados juros do crédito pessoal em financeiras e bancos comerciais)

De fato, estamos vendo que a situação não está nada boa.

A Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), toda semana, publica um novo estudo mostrando a redução da atividade econômica de seus países-membros. Pelo quarto mês seguido houve queda no indicador que prevê o nível de crescimento da economia. Já nos EUA a renda do consumidor caiu pelo terceiro ano consecutivo, levando o número de pobres a 15,1% do total da população. É como se a capacidade de consumo hoje fosse igual há de 15 anos.

Na Europa, o problema está tão grave que, no Reino Unido, até os trilhos de ferrovias, as subestações de energia elétrica e os ferros-velhos estão sofrendo. Com a elevação do preço do cobre, as pessoas estão roubando este material para vender no mercado paralelo. A Grécia está ameaçada de perder o livre trânsito de seus habitantes em viagens dentro da União Européia sob a alegação de que, é através dela que, todos os anos, entram milhares de imigrantes ilegais no seu território e se espalham pela região.

Já a Itália recorreu à China para captar recursos por meio da venda de títulos italianos e do investimento direto em empresas. O premiê chinês Wen Jiabao declarou sua disposição em ajudar a Europa, mas esta teria que conceder uma série de benefícios ao país asiático como, por exemplo, o reconhecimento do país como “economia de mercado”, o que, dentre outras coisas, dificultaria a aplicação de medidas de defesa comercial, tais como o combate ao dumping.

Esta parece ser a saída para o endividamento dos países: o “salvamento” da economia de um país por outro país. Este foi o acordo firmado entre os presidentes dos maiores Bancos Centrais do mundo, que se reuniram na Suíça. Para eles a desaceleração é inevitável, mas não há sinais de recessão. Segundo Jean-Claude Trichet, presidente do Banco Central Europeu (BCE), “os BCs estão prontos para fornecer a liquidez que for necessária para os bancos”. Só o BCE vai garantir €350 bilhões ao setor bancário. Até o Brasil se propõe a contribuir com empréstimos, via Fundo Monetário Internacional.

Este tipo de medida já mostrou seus riscos. Não é de agora que os países de Zona do Euro e os EUA estão sofrendo as consequências de seus elevados déficits orçamentários. O que eles fizeram foi ajudar as empresas (bancos principalmente) dos seus países. Com esta nova forma de ajuda, onde um país ajuda o outro, ao invés de acabar com a crise, o que vamos ver é a amplificação dos meios de propagação dela. A situação é tão ruim, e a ação se mostra tão ineficaz, que, pela primeira vez na história, o risco de calote das dívidas soberanas dos países é maior do que o risco de calote das empresas.

Diante disto, ficam as perguntas: Intervenção de novo? Até quando? E para quê?



[i] Mestre em Economia, professor do Departamento de Economia da UFPB e pesquisador do Progeb. (www.progeb.blogspot.com.).

domingo, 18 de setembro de 2011

Setembro negro: não há saída à vista

Semana de 05 a 11 de setembro de 2011

Nelson Rosas Ribeiro[i]

As previsões mais sombrias para a economia mundial continuam a surgir de todos os lados, a começar pelo Relatório da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE). Seu economista chefe, Pier Carlo Padoan, declarou que “o crescimento deve ser muito mais lento do que imaginávamos há três meses... o risco de um período de contração econômica à frente subiu.” Comentários deste tipo espalham-se em todas as publicações especializadas do mundo e nos pronunciamentos das autoridades.

As más notícias começam na economia americana, particularmente sobre o desemprego, o consumo das famílias e a falta de investimentos das empresas que preferem aumentar a liquidez. Enfrentando a oposição e conclamando o povo a pressionar o congresso, o presidente Obama encaminhou um pacote de medidas tentando provocar a criação de postos de trabalho.

Na UE a situação é mais grave ainda. Enquanto se prevê a desaceleração das economias dos três grandes, Alemanha, França e Itália, a Grécia voltou às manchetes e, desta vez, pondo em dúvida a capacidade de seu governo de cumprir os compromissos assumidos, com o controle do orçamento. No segundo trimestre do ano, a economia grega contraiu-se 7,3%. A situação tem provocado protestos, graves e manifestações contra as medidas propostas pelo governo. Alguns países, como a Alemanha e a Holanda, já duvidam de uma solução para o caso e consideram inevitável a saída da Grécia da zona do euro. O presidente do Banco Central Europeu (BCE), Jean Claude Trichet, vai mais além e põe em dúvida as capacidades de alguns governos de manterem a rigidez fiscal necessária para a estabilidade da zona e fala na criação de um ministério das finanças único. E enquanto o BCE concentra suas atenções nas medidas de política monetária, não vê o espectro da desaceleração de todos os países da zona que já se encontra à beira do crescimento zero. O declínio começou no terceiro trimestre. Os bancos privados, desconfiados da solidez do próprio sistema bancário, não emprestam e a atividade da indústria continua caindo. Em um quadro deste tipo, um aperto fiscal terá consequências catastróficas para as economias. O BCE, em vez de reduzir os juros, como recomenda a OCDE, propõe o controle dos orçamentos e a contenção das despesas de países como a França, Espanha, Itália, Grécia, Portugal e Irlanda. Todos eles somados criarão um impacto de contenção fiscal que afetará toda a zona, o que provocará uma desaceleração ainda maior, para a qual não haverá remédio. Ou seja, o pior ainda está por vir.

Neste quadro tão adverso, quais os espaços que existem para os especuladores, para o capital financeiro?

O mercado de ações não oferece qualquer garantia. Os títulos públicos também perdem a confiabilidade diante da insolvência dos Estados. Os bancos continuam cheios de “ativos podres” escondendo sua verdadeira situação financeira. Tem sobrado, como último refúgio, a fuga para as commodities, o ouro e a especulação com as moedas. O espaço das commodities estreita-se cada vez mais, diante da desaceleração. A qualquer momento esta bolha pode estourar, se a demanda por esse tipo de produto desabar. O ouro, nunca foi considerado um bom investimento. Ele representa apenas o refúgio do capital quando se sente inseguro. É o capital enlouquecido, imobilizado sob a forma de tesouro material. No campo da especulação com as moedas, a guerra declarada entra em novo estágio. A busca por segurança tem levado à especulação com o franco suíço e com o iene japonês. O Banco Nacional Suíço reagiu abandonando o regime de câmbio flutuante e decidindo não admitir uma cotação abaixo de 1,20 francos por euro e se dispondo a comprar divisas em “quantidade ilimitada”, com o intuito de impedir a valorização. No Japão o BC está agindo no mesmo sentido e, em apenas em um dia (9 de agosto), gastou 4,51 trilhões de ienes na compra de divisas, dizendo-se disposto a gastar o que for necessário também para impedir a valorização do iene. Caminhamos assim para uma situação de grande instabilidade para a qual nenhum país encontra qualquer solução.

Este foi o clima em que o BC brasileiro decidiu reduzir a nossa estratosférica Selic, em 0,5%, colocando-a no patamar de 12%, ainda a maior do mundo. Acrescente-se a situação nacional de desaceleração da economia, com as empresas montadoras dando férias coletivas a seus trabalhadores e os estoques se acumulando (já ultrapassando os 37 dias de veículos acumulados nos pátios) e temos de reconhecer que a decisão do BC foi a mais adequada, e já vem muito tarde. Naturalmente ela recebeu os aplausos da indústria nacional, dos exportadores e dos trabalhadores. Por outro lado, ecoam o berreiro e os apupos do sistema financeiro e dos importadores.

Resta esperar que a economia do país crie melhores condições para sobreviver a este setembro negro que a todos ameaça.



[i] Professor do departamento de Economia, Coordenador do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira progeb@ccsa.ufpb.br); (www.progeb.blogspot.com).