sexta-feira, 8 de outubro de 2010

O Saci Macroeconômico Brasileiro: a gênese

Semana de 27 de setembro a 03 de outubro de 2010

Desde 1999, diz-se que a política econômica no Brasil sustenta-se em três pilares: obtenção de elevados superávits primários, cambio flutuante e regime de metas para inflação. Estes pilares constituem o tão falado “Tripé Macroeconômico” brasileiro. Entretanto, acontecimentos recentes mostram que, repetidas vezes, quando é conveniente para o governo, dois destes três pés somem em um passe de mágica.

Para o ano de 2010, o governo apresentou uma meta de superávit primário equivalente a 3,3% do Produto Interno Bruto (PIB), ou seja, R$75,8 bilhões. Acontece que, até agosto, ele economizou apenas R$29,7 bilhões, provavelmente porque acelerou os gastos para tornar mais atraente a continuidade do Partido dos Trabalhadores (PT) no poder. Assim, mais da metade do superávit, R$46,1 bilhões, deverá ser alcançado em um período de apenas quatro meses. Como isto seria possível? – pergunta o leitor. Misture uma pitada de cinismo com a capitalização de uma grande estatal que você obterá parte da resposta. Ao término de cinco operações relacionadas à capitalização da Petrobras, o Tesouro fará surgir no seu caixa uma quantia que pode chegar a R$25 bilhões. Ao analisar a situação, o consultor legislativo do senado, Marcos Mendes, concluiu que o processo tende a gerar uma receita aparente a partir de uma dívida oculta. Trocando em miúdos, isto implica dizer que o governo está conseguindo o restante do superávit primário utilizando-se apenas de manobras contábeis, atitude já tomada em anos anteriores.

O segundo “pé” do “Tripé Macroeconômico” constitui o cambio flutuante. Contudo, sabe-se que há muito o tipo de regime cambial praticado no Brasil é o que se chama de “flutuação suja” ou “dirty float” (termo em inglês). Neste tipo de regime cambial, o Banco Central intervém no mercado, sempre que julgar necessário, para a manutenção do câmbio no nível desejado. Uma prova disto é a declaração do presidente do Banco Central do Brasil, Henrique Meireles, em entrevista coletiva concedida em Londres, de que o Brasil “não vai pagar o preço” pelo desequilíbrio econômico global. Segundo ele, “Se nós não lidarmos com a excessiva desvalorização de moedas pelo mundo, o Brasil vai perder competitividade no mercado internacional”. O que chama atenção é que Meireles sinalizou que o aumento do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) e o swap cambial reverso (compra de dólares no mercado realizada pelo Banco Central) serão armas utilizadas no combate a valorização do real. Isso mostra que a definição de regime de câmbio flutuante do presidente do BC é diferente da definição utilizada pelos economistas.

O último dos pilares, todavia, ainda está de pé: o regime de metas para inflação, responsável por manter a taxa básica de juros, a Selic, em patamares altíssimos. Não iremos debater os “motivos especiais” da sua sustentação, pois estamos demasiadamente empolgados ao saber que a equipe do BC está utilizando recursos matemáticos extremamente avançados para melhorar sua atuação. Na divulgação do Relatório de Inflação de Setembro, o BC publicou um estudo que mostrava que o conjunto dos países desenvolvidos apresentava taxas reais de juros no intervalo -2% a 3%; já nos países emergentes selecionados por ele, as taxas estavam entre 3% e 5%. Diante disto, a equipe do BC chegou à brilhante conclusão de que “é plausível afirmar que a taxa de juros real de equilíbrio brasileira ainda se encontra em níveis superiores às observadas na maioria dos países ilustrados”. Ou seja, o único avanço desta honrosa equipe, extremamente qualificada, foi finalmente descobrir que 6% é uma taxa maior do que 5%!

A análise da política econômica do governo faz surgir diante dos nossos olhos um novo personagem da história das políticas econômicas brasileiras: o Saci Macroeconômico, o qual pula em uma perna só, chamada carinhosamente de Regime de Metas para Inflação. Contudo, alertar a todos que a política macroeconômica do governo não é o que ele diz ser, quando na verdade suspeitamos que ele próprio tem consciência disto, é apenas a ponta do “iceberg”. É preciso identificar os malefícios ocasionados por este personagem pitoresco à dinâmica econômica do nosso país. E isto é precisamente o que será feito no segundo e último volume da saga do Saci Macroeconômico, “As Peripécias do Saci Macroeconômico”, a ser publicado nesta mesma coluna na próxima semana. Não percam!

Texto escrito por:
Antonio Carneiro de Almeida Júnior: Economista, Mestrando do Programa de Pós - Graduação em Desenvolvimento Econômico da UFPR, PPGDE/UFPR, e pesquisador do PROGEB - Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira.
(progeb@ccsa.ufpb.br)

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

O Afrouxamento Fiscal em Ano de Eleição

Semana de 20 a 26 de setembro de 2010


Como costuma ocorrer em ano de eleições, o Brasil tem vivido um clima de grande euforia com a elevação dos gastos da máquina pública, a maquiagem colocada em alguns indicadores econômicos e as promessas de campanha dos candidatos aos principais cargos políticos do país. Assim, omite-se, por exemplo, os números da dívida pública federal, que de acordo com o próprio Tesouro Nacional atingiu em junho a cifra de R$ 1 trilhão e 600 bilhões, observando-se, pelo contrário, nos discursos oficiais, a venda da ideia de que o país pagou sua dívida externa, quando de fato apenas optou por trocar pare do endividamento externo (barato) pelo endividamento interno (caro).

Somente de julho de 2009 a julho deste ano, o Brasil gastou R$ 182 bilhões com o pagamento de juros, o que corresponde a 5,4% do Produto Interno Bruto (PIB). Esse montante é mais de quatro vezes superior aquilo que foi gasto pelo governo federal com investimentos no país (R$ 44,3 bilhões), no mesmo período. Mesmo assim, o Tesouro espera um crescimento da dívida pública entre R$ 103 bilhões e R$ 233 bilhões, até o final do ano, principalmente devido ao aumento da emissão de títulos em operações como a capitalização do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que chegou a ordem de R$ 180 bilhões e a capitalização da Petrobras que chegou a R$ 120,3 bilhões, dos quais R$ 74,8 bilhões serão injetados pelo próprio governo, na forma de barris de petróleo. Isto significa que, do total captado, apenas cerca de R$ 45 bilhões entrarão de fato no caixa da empresa, cuja dívida, em junho, era de US$ 93,6 bilhões, conforme a agência Standard & Poor's. Contribuiu ainda para o aumento das despesas financeiras do governo a elevação da taxa Selic que, no ano, passou de 8,75% para 10,75%, o que implica em maiores gastos com pagamento de juros, associado ao custo crescente de acumulação das reservas internacionais, aplicadas a baixos juros, no exterior.

Mas o afrouxamento fiscal este ano não se restringe apenas aos gastos financeiros, compreendendo outros tipos de gastos, como os efetuados em propaganda e publicidade. De acordo com dados do SIAFI (Sistema Integrado de Administração Financeira), o governo federal gastou R$ 362 milhões em publicidade, apenas no primeiro semestre de 2010, um montante 53% maior que o efetivado no primeiro semestre de 2009, nessa área. Entre os órgãos que mais despenderam recursos com publicidade o campeão foi a Presidência da República, que somente com as campanhas do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e o Minha Casa Minha Vida, gastou R$ 109,5 milhões.

Longe de toda essa euforia, os Estados Unidos e a Europa continuam combalidos pela recessão, cujos efeitos ainda se pode notar em diversos setores. Nos Estados Unidos, tudo indica que, até 2011, o desemprego deva se manter acima dos níveis observados antes da recessão, com um a taxa de desocupação girando em torno de 9%, segundo a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Novos pedidos de seguro desemprego, inesperadamente, foram registrados na última semana. Em alguns mercados é possível observar ainda a formação de estoques indesejados, como é o caso do mercado de celulose de fibra, no qual o volume estocado subiu, em agosto, o que pode provocar uma queda no preço do produto, que desde o início do ano já sofreu seis reajustes, totalizando um corte de US$ 50 por tonelada.

No Brasil, fazendo-se vista grossa a incerteza que continua pairando sobre a economia mundial, o que se tem percebido é a utilização da máquina estatal, de diferentes formas, para empurrar a economia na direção apontada pelos interesses políticos dominantes no país, os quais estão longe de coincidir com aquilo que é melhor para o seu desenvolvimento. Mais uma vez, portanto, recorre-se a velha estratégia de afrouxamento fiscal em ano de eleição. Já as suas consequências, serão sentidas nos próximos anos, pelos eleitores/contribuintes, quando os resultados eleitorais já estarão consumados.

Texto escrito por:
Diego Mendes Lyra:
Mestre em economia, pesquisador do IPEA e do Progeb – Projeto globalização e crise na economia brasileira (progeb@ccsa.ufpb.br); (www.progeb.blogspot.com).