quinta-feira, 18 de março de 2010

A Globalização e a Recuperação da Economia Brasileira

Semana de 08 a 14 de fevereiro de 2010

A globalização vem se desenvolvendo ao longo dos tempos através das várias expansões do comércio internacional e de suas seguidas transformações. Grosseiramente, poderíamos defini-la como uma progressiva integração das esferas de produção, distribuição e consumo dos países do globo. O que preocupa em momentos de crise, entretanto, é que esta união, assim como o matrimônio, é válida na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, e todos sabem disto.
Não foi sem razão que o “espectro do nervosismo” rondou a Europa esta semana e espalhou-se pelo resto do mundo, refletindo-se nas bolsas de valores. A ansiedade dos especuladores, que tinha como fonte a situação da dívida pública grega, só diminuiu após o anúncio, nesta quinta-feira, de que, caso o país precisasse, seria socorrido pelos seus parceiros de bloco econômico. Embora tais especuladores não saibam ao certo o porquê, sua preocupação realmente tem fundamento.
A função do dinheiro como Meio de Pagamento consiste em viabilizar o ciclo das mercadorias apenas por intermédio de dinheiro ideal, ou seja, sem a presença física do dinheiro. Durante a crise, esta função do dinheiro foi demasiadamente utilizada na tentativa de minimizar a destruição de capitais e trazer rapidamente de volta o crescimento econômico mundial. O fato que não é do conhecimento da maioria dos “policy-makers” (elaboradores de políticas econômicas) é que a recuperação econômica não depende de suas vontades, mas sim das “vontades” do Modo de Produção Capitalista.
Assim como esta função do dinheiro pode servir para “driblar” momentos ruins, ela também é uma das formas de manifestação das crises. Diante disto, se a destruição de capitais não se completou devido a sua utilização, em virtude dela, a crise voltará. E, ao que tudo indica, é o que está para acontecer.
Não só a Grécia, mas também Portugal, Irlanda e Espanha estão com as contas públicas em situação de risco. A semelhança da situação de tais países foi reconhecida pelos agentes econômicos através da criação da sigla Pigs para fazer referência a eles. Juntos, os Pigs têm uma dívida com bancos europeus que atinge a cifra de US$2 trilhões. Só a Grécia possui US$330 bilhões desta dívida. Assim, caso o país decretasse moratória, deixando de honrar com seus compromissos, esta situação crítica facilmente espalhar-se-ia pelo bloco europeu via sistema financeiro.
A tão glorificada economia chinesa não deixa por menos. Segundo o advogado especialista em falências Niel McDonald, já há “trilhões e trilhões de yuans em empréstimos de difícil recuperação na China, e ninguém está fazendo nada a esse respeito”. Em virtude deste acúmulo de “créditos podres” no país, o advogado não hesitou em afirmar: “Em algum momento deverá haver algum ajuste de contas para isso”.
Mas, isto não é tudo. A situação pode ainda tomar proporções maiores do que se imagina. Isto porque, segundo a consultoria McKinsey, a dívida das dez economias mais desenvolvidas do mundo aumentou 60% desde 2000 e hoje alcança a casa dos 40 trilhões. O fato é que este montante representa 330% do PIB destes países, ou seja, é cerca de três vezes maior do que a riqueza que eles produzem.
Neste caso, portanto, não só é possível, como também é bastante provável que as barreiras que impedem o consumo, conteúdo das Crises Cíclicas de Superprodução, se manifestem através de outra forma e tragam de volta o cenário de crise econômica. Resta-nos saber, contudo, se veremos apenas o desenrolar de uma crise complementar ou de uma catástrofe.
No Brasil, a situação é bem diferente da européia. Em janeiro deste ano, na comparação com janeiro de 2009, a inadimplência da economia caiu 3,14% e houve um aumento de 3,12% nos pedidos de cancelamento de registros no Serviço de Proteção ao Crédito (SPC). Em virtude disto, constatou-se, no mesmo período, um aumento de 7,11% nas vendas a prazo no varejo. Devido a estes e outros estímulos, ocorreu um aumento de 0,54% no emprego na comparação do mês passado a dezembro de 2009. Este aumento representa uma criação de 12 mil postos de trabalho. Por sua vez, o Nível de Utilização da Capacidade Instalada do mês de dezembro, que subiu, de 81,3% em novembro, para 81,7%, já apontava nesta direção.
Todavia, embora se verifique claramente o surgimento das condições para a retomada do crescimento na economia brasileira, esta situação pode ser revertida. Por melhor que esteja a situação da nossa economia frente ao resto do mundo, caso um novo mergulho seja deflagrado pela Grécia, a situação de crise espalhar-se-á não só pela União Européia. Em um segundo momento, ela irá espalhar-se por todo o mundo. A globalização não só é válida para países que integram um mesmo bloco econômico, mas também para as demais economias do globo, pois todas elas estão, de algum modo, ligadas economicamente.
Portanto, em virtude das contradições geradas pelo fenômeno globalização, somos obrigados a anunciar que a recuperação da economia brasileira, se não for revertida, será, pelo menos, deformada pela presença de taxas de crescimento menores que o esperado. E isto ocorrerá com qualquer economia que esteja integrada ao movimento cíclico mundial do capitalismo, pois é assim que são as tão faladas Crises Cíclicas de Superprodução.

Texto escrito por:
Antonio Carneiro de Almeida Júnior: Economista, Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Econômico da UFPR, PPGDE/UFPR, e pesquisador do PROGEB - Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira.

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Varre, varre vassourinha... As conseqüências da crise

Semana de 01 a 07 de fevereiro de 2010

Caro leitor, o carnaval passou. As festividades desta época contagiam todos os foliões em todas as partes do Brasil. Marchinhas de frevo e samba são entoadas pelos quatro cantos. Trios elétricos arrastam multidões embriagadas de felicidade. Todos os anos surgem hits que fazem o maior sucesso nos blocos carnavalescos. Por que este ano seria diferente?
No ano passado as rodas de choro cantavam tsunamis e marolas. Hoje se exalta o swing e o balacobaco brasileiro. Isto porque, segundo a notícia reportada em 01/02/10 no jornal Valor Econômico, "o país transformou-se em exemplo de sucesso, não só no desempenho econômico, como na regulação bancária, no uso de combustíveis renováveis, na conciliação de crescimento com distribuição de renda e até na aplicação de regras de proteção à saúde e ao ambiente dentro da OMC". Este reconhecimento foi feito no Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça.
Porém este canto pode desafinar e destoar das inspirações reais.
Em análises passadas já vimos que alguns números soam tão bem aos ouvidos que são declamados o tempo todo como se fossem um refrão. Tanto que, diante da expectativa de crescimento para 2010, o Comitê de Política Monetária do Banco Central sinalizou, na última ata, que começará um ciclo de arrocho monetário, o qual pode ter início com um aumento da Selic, já na próxima reunião do dia 17 de março. No entendimento do Copom há uma pressão da demanda doméstica sobre o mercado de fatores, o que aumentaria a pressão inflacionária.
Mas nem todas as estrofes de uma música são refrãos. Existem aquelas que são apenas balbuciadas, como se os cantores não soubessem da letra. Mas quem cantaria sobre a expectativa de esfriamento da economia, após o fim da redução do IPI? Os versos se tornariam lamúrias, já que as indústrias de bens de consumo duráveis e da construção civil são diretamente beneficiadas pela política fiscal. Elas estimulam outros setores, como, por exemplo, o do aço, o têxtil e o calçadista, os quais prevêem uma aceleração, no começo de 2010, estimulada pela demanda interna. Outro reflexo do estímulo fiscal é visto na elevação de 18%, do consumo interno de máquinas (somatório das vendas das máquinas nacionais e importadas), do 3°, para o 4° trimestre de 2009. A incidência dos benefícios governamentais (redução do IPI, PAC, bolsa celular, etc.) é, justamente, sobre os setores mais afetados pela crise, em termos de fechamento de postos de trabalho. Só no setor de materiais elétricos e de equipamentos de comunicação foram fechados 11,7 mil postos.
Como numa apuração do desfile das escolas de samba, a economia apresenta números referentes ao desempenho de cada ala. Para o crescimento da produção industrial brasileira, em 2009 (comparado com 2008), temos as seguintes cifras: bens de capital -17,4%; bens intermediários -8,8%; bens de consumo - 2,7%; bens de consumo duráveis -6,4%; semi e não-duráveis -1,6%; insumos para a construção civil - 6,7%; indústria extrativa -8,8%; e indústria de transformação -7,3%. Tudo isso gera um saldo de redução
da produção industrial total de 7,4%.
Indicadores da produção industrial por categorias de uso - Brasil - dez. 09(*)

(*) Para melhor visualização do gráfico clique sobre a imagem

Indicadores da produção industrial por categorias de uso
Índice trimestral (Base: igual trimestre do ano anterior)(*)
(*) Para melhor visualização do gráfico clique sobre a imagem

No mundo, outros temas poderiam se tornar versos tristes, como a cifra de 4,6 milhões de pessoas que estão recebendo o seguro-desemprego, nos Estados Unidos. Ou os 4,048 milhões de trabalhadores da ativa que estão desempregados na Espanha, perfazendo um total de 18,83% da população economicamente ativa. E o que dizer da Rússia, que teve uma retração de 7,9% do PIB, diante da retração de 8,1%, no consumo e 18,2%, nos investimentos?
Existem ainda aquelas canções que são tão repetitivas que se tornam ladainhas (típicas do compositor Meirelles), como é o caso das fusões, formação de trustes e cartéis e a oligopolização da economia, ao longo do desenvolvimento do capitalismo. Isto se dá de forma mais intensa nos períodos em que o ciclo econômico atinge as fases de crise e depressão (fundo do poço). Nestes períodos, as empresas estão mais fragilizadas e vulneráveis à falência. Por este meio os capitais individuais mais poderosos se fortalecem. No início da reanimação este fenômeno também ocorre como forma de reestruturação do capital nos diversos setores da economia.
É o atual caso do Brasil, por exemplo. Assistimos a Companhia Siderúrgica Nacional pretendendo tornar-se sócia majoritária da CIMPOR (cimenteira portuguesa), numa transação que pode chegar a € 3,86 bilhões. A WEG, em processo de expansão, por sua vez, irá contratar até 600 dos 1.138 funcionários despedidos pelo plano de demissão voluntária (PDV) da empresa de ônibus Busscar. A união da Shell e da Cosan vai criar uma empresa com 29,2% do mercado brasileiro de distribuição de etanol. Sem falar no caso da Brasken, que iniciou um processo de internacionalização, apoiado pelo governo (através da Petrobrás e do BNDES).
Enquanto isso, as empresas mais fracas caminham para a falência. Entre 2008 e 2009, o Serasa registrou um crescimento de 18,8% na inadimplência das empresas.
Na Europa, a Unilever, a segunda maior empresa de bens de consumo do planeta, é investigada por órgãos antitruste, na Bélgica, República Tcheca, Alemanha, Holanda, França, e Itália. No ano de 2008, ela já foi multada em € 37 milhões, na Alemanha, por fixação conjunta de preços de alguns produtos. Outra gigante que chama a atenção no momento é a Wal-Mart, que demonstra interesse em adquirir operações do Carrefour, aqui no Brasil.
Mas, como o carnaval só dura alguns dias, deixemos esta cantiga de lado. Continuemos nossa tarefa de prosear sobre as diversas faces e fases do modo de produção capitalista, expondo aquilo que por algum motivo se quer esconder e fazer calar.

Texto escrito por:
Lucas Milanez de Lima Almeida: Professor Substituto do Departamento de Economia da UFPB, Mestrando em Economia pelo CME-UFPB e membro do Progeb.

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