terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Um ano de crise

Semana de 21 a 27 de dezembro de 2009


Neste ano de 2009, tivemos o privilégio de assistir um dos espetáculos mais marcantes do processo de acumulação capitalista: a crise econômica. Os nossos leitores são testemunhas da forma como previmos e acompanhamos o desenrolar do fenômeno que caracteriza e demarca o fim de um ciclo e o início de outro. Já sabemos, e todos os economistas o sabem, que as economias capitalistas se desenvolvem em ciclos de expansão e desaceleração, fenômeno conhecido como ciclo econômico ou ciclo de Juglar. Também é conhecido que este ciclo é composto por quatro fases: crise, depressão, reanimação e auge. É igualmente sabido que ninguém conseguiu, até o presente, impedir este movimento, que é inerente às economias capitalistas, mas não se verificava nas economias socialistas, para desespero dos apologistas do sistema. Não é por outra razão que tentam de todas as formas esconder, disfarçar e/ou mistificar o fenômeno.
Afirmações do tipo de “desenvolvimento equilibrado”, “crescimento sustentado”, etc., não passam de puro charlatanismo. A dura verdade é que o equilíbrio e a sustentabilidade não se conseguem manter, via de regra, por mais de 11 anos, teoricamente, o tempo limite de duração, em condições normais, de um ciclo econômico.
A deflagração da crise, em 2007, a partir dos EUA, causou-nos alguma surpresa, pois só a esperávamos mais para o final da década. No entanto já havíamos previsto que a forma principal de manifestação que ela assumiria deveria ser inevitavelmente financeira, o que de fato veio a ocorrer. 
Outro fato que convém destacar é o atraso da economia brasileira em acompanhar o ritmo da economia mundial. Este é um acontecimento que ainda precisa de explicação e que será objeto de nossos estudos. Mais uma vez, havíamos previsto que, não só os chamados países emergentes em geral, mas também o Brasil em particular, e com atraso, entrariam inevitavelmente na fase de crise, acompanhando a economia mundial. Contrariamente ao que se desejava, a “marolinha” virou tsunami e, apesar de todas as promessas, agora convenientemente esquecidas, o Brasil afundou na recessão.
Ao sentir-se enganado pelos conselheiros do Henrique Meirelles, presidente do Banco Central do Brasil (BCB), e apanhado com a mão na cumbuca, o presidente Lula exigiu uma mudança na política econômica. A nova política anticíclica adotada as pressas demonstra que o comando da economia passou para a turma do Ministro Mantega. Os resultados da mudança são visíveis: a queda da taxa de referência Selic para os 8,75% atuais, a desoneração dos impostos de vários produtos, as ajudas financeiras a muitas instituições, a redução das taxas de juros dos bancos oficiais, os programas de construção de habitações, o PAC, o aumento do salário mínimo, etc. Estima-se que, com as medidas de desoneração de impostos, por exemplo, em 2010, haverá uma queda na arrecadação de R$ 5,032 bilhões.
O governo Lula, no desespero, tem pressa. As eleições aproximam-se e o seu grande trunfo para superar a antipatia da candidata por ele escolhida terá de ser a recuperação da economia e dos níveis de emprego.
De fato, conforme viemos mostrando, a economia mundial passou, da fase de crise, para a de depressão e esboça o início da reanimação. O problema é que, na situação atual, esta reanimação está sendo lenta e contraditória, o que significa que poderá se arrastar por um tempo superior ao desejado pelos planos eleitoreiros do governo.
Para o próximo ano não se pode prever uma recuperação rápida da economia mundial. A economia dos EUA continua a passo de tartaruga. O Reino Unido ainda se afunda na depressão. No terceiro trimestre do ano, a economia encolheu 0,2%, superando as estimativas dos analistas que apontavam para 0,1%. O Japão continua em crise, que é considerada a pior desde a Segunda Guerra Mundial. A situação de desespero fez o governo aprovar um gasto recorde de US$ 1 trilhão de dólares para tentar minorar a situação. Suas exportações mantêm-se em queda pelo 14º mês consecutivo. Em novembro, comparando-se com o mesmo mês do ano anterior, a queda foi de 6,2%. A União Européia arrasta-se iniciando a recuperação juntamente com os demais emergentes Rússia, Índia e China. Os Bancos Centrais estão endividados, os orçamentos dos governos estourados. Por seu lado, o Banco Mundial continua aconselhando os Estados a manterem seus programas de ajuda às instituições financeiras, com recursos não se sabe de onde.
Neste ambiente, o desafio para o governo brasileiro, é tentar uma reanimação forçada, com a aplicação de uma política econômica ainda mais agressiva, para ganhar as eleições. Com efeito, o governo, de acordo com afirmações do presidente Lula, no “café da manhã com os jornalistas”, no dia 21 passado, já pensa na possibilidade de tornar permanentes as desonerações fiscais já adotadas. Lula afirmou ainda que manterá o aumento dos gastos públicos e do endividamento, que já vem crescendo continuamente. Depois do ato demagógico do pagamento da dívida ao FMI, que na verdade representou a troca de uma dívida barata (com juros baixos) por uma dívida cara (com juros altos), a dívida interna, que vem crescendo continuamente, só em novembro, aumentou 1,39%, atingindo R$ 1,390 trilhões. A dívida total, somando-se interna e externa, também em novembro, subiu, de R$ R$ 1,472 trilhões, para R$ 1,491 trilhões, um aumento de 1,32%.
O setor imobiliário, conhecido pela sua capacidade de geração de empregos, tem recebido todo tipo de estímulo. O crédito imobiliário cresceu, durante o ano, em torno de 10% e, para 2010, espera-se que este crescimento atinja os 50%. Só em novembro, as liberações de recursos atingiram R$ 3,635 bilhões, volume 58% maior que no mesmo mês do ano passado. É um recorde no país. O FGTS, além do programa “Minha casa minha vida”, pretende liberar, no próximo ano, mais R$ 23 bilhões. Os bancos privados, até o final do ano, deverão financiar cerca de 300 mil unidades. A Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil (Previ) pretende, também no próximo ano, investir R$ 3 bilhões no financiamento de imóveis.
Apesar de toda essa fúria, o país continua sem política industrial. O déficit na balança comercial do setor industrial deverá atingir, no próximo ano, um recorde que deverá ultrapassar os R$ 11,26 bilhões registrados em 1998. Segundo o Instituto para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), o déficit para 2009 está estimado entre US$ 6 bilhões e US$ 7 bilhões, aproximando-se dos US$ 7,17 bilhões do ano passado.
A política econômica agressiva e aventureira deve estimular o crescimento da economia. O sucesso
dependerá, em parte, da recuperação da economia mundial. Para o ano que termina, as estimativas para a variação do PIB estão em torno de zero. Os analistas financeiros avançam um número negativo de 0,23%. Para 2010, só promessas e esperanças. O custo da aventura será pago pelo governo eleito.

Estes são os nossos prognósticos para o ano novo de 2010.
Apesar de tudo desejamos a todos muitas felicidades.


Texto escrito por:
Nelson Rosas Ribeiro: Professor do Departamento de Economia da UFPB e coordenador do Progeb-Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira.
Email: progeb@ccsa.ufpb.br

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segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

O ano do presidente Lula

Semana de 14 a 20 de dezembro de 2009


Como os dados vêm demonstrando, parece que a situação de crise foi ultrapassada e uma tímida recuperação se iniciou. A questão agora é saber se esta recuperação é sustentável ou não. O próprio FMI explicita suas dúvidas ao recomendar a manutenção dos pacotes de ajuda dos governos às empresas em dificuldades.
Com efeito, o panorama internacional não tem sido muito favorável. Na economia norte-americana, embora se acredite que o processo de recuperação já se iniciou, grande parte das empresas pensa que o consumo está longe de atingir os níveis pré-crise, mesmo considerando uma recuperação no emprego. Muitas empresas, não querendo ver a dura realidade do esmagamento da capacidade de consumo da população, afirmam que a crise provocou fortes modificações comportamentais nos americanos, levandoos a um estado de espírito “cuidadoso, prático, mais consciente da sociedade e envergonhado com demonstrações exageradas de riqueza”. Jim Taylor, vice-presidente do conselho da firma de pesquisa de mercado Harrison Group, por exemplo, afirma que “estamos aparentemente num momento de mudança cultural, como não víamos desde a segunda Guerra”. Ele completa: “as pessoa estão se acostumando a ter cautela e não sei como é que se desfaz isso”.
Se, de fato, a queda dos gastos, em consumo, nos Estados Unidos estiver sendo motivada por modificações nos valores culturais, o capitalismo estará condenado, a não ser que seja encontrada outra economia, com a mesma capacidade de consumo da americana e, além disso, disposta a gastar. Porém, se o comportamento comedido dos americanos estiver sendo motivado por restrições orçamentárias, o filme tantas vezes assistido, terá reprise, é questão de tempo.
Enquanto a economia norte-americana não deslancha na velocidade necessária a tornar sólido o processo de recuperação, o governo de Obama está numa encruzilhada, pois o déficit orçamentário não para de crescer. Por sua vez, o governo já declarou que só se preocupará com o déficit quando o problema do desemprego for resolvido. Torna-se, então, urgente alguém de boa vontade informar ao presidente Obama que, enquanto o gasto for feito para dar dinheiro aos bancões, o desemprego persistirá.
Além do déficit do governo, em trajetória ascendente, outra questão “tira o sono” dos gestores da política econômica dos Estados Unidos: o persistente processo de desvalorização do dólar frente a todas as demais moedas. Uma das medidas do Banco Central americano (FED), para combater este movimento, seria elevar a taxa de juros do país (como o fez na década de 80). Contudo, o fraco desempenho daeconomia inviabiliza qualquer elevação nesta taxa. E como se não bastasse, os dados sobre a inflação também começam a preocupar.
Além do mais, dados do próprio BC norte-americano demonstram que a economia desse país se encontra ainda em uma fase em que os agentes, empresas, bancos e famílias, estão lutando para pagar suas dívidas e por isso pretendem gastar o mínimo possível. Esta fase precede à retomada que, por isso, está apenas começando.
Em outros países a situação também não está tranqüila. Há meses, vários governos vêm anunciando a necessidade de suspender os pacotes de ajuda. Todavia, os indicadores econômicos não permitem que esta medida seja tomada. A França é um dos exemplos. Por meio de endividamento público e de recursos devolvidos pelos bancos socorridos na crise, o governo lançará um pacote de 35 bilhões de euros para ajudar a indústria. Os recursos serão empregados também em investimento nas universidades e para pesquisa sobre energia renovável e carros elétricos.
Por outro lado, a situação financeira mundial não está normalizada. Segundo relatório do FMI os bancos precisam levantar, até o ano que vem, mais de US$ 1,5 trilhão para se manterem solventes. Até agora a crise de insolvência não se instalou, principalmente, em função dos pacotes de ajuda governamentais. Mas, a situação está se tornando mais difícil, pois os governos já estão começando a suspender as ajudas, fato que tem preocupado o FMI que, no relatório citado, alerta para a importância da permanência desses programas.
No Brasil, os dados referentes ao fluxo de comércio exterior e à produção industrial melhoraramsubstancialmente. O que mais surpreende é a taxa de desemprego que hoje já está em nível semelhante aoperíodo pré-crise. A situação da economia tem se mostrado tão favorável que o presidente Lula chegou abrincar com o presidente dos Estados Unidos dizendo que, enquanto no país dele vem se perdendo postosde trabalho, no Brasil vem se ganhando.
A divulgação da pesquisa PNAD, pelo IBGE, mostrou também que a desigualdade de renda diminuiu e o índice de Gini, geralmente usado como indicador, sofreu ligeira melhora.
Outro indicador positivo refere-se à concessão de crédito por parte dos bancos, que já atingiu o nível pré-crise, com uma média diária de concessões de R$ 7,3 bilhões (verificada em outubro do ano passado). Até outubro, o saldo total de operações de crédito alcançou montante equivalente a 46% do PIB (R$ 1,37 trilhão). Para os mais otimistas este percentual pode chegar a 48% do PIB até dezembro deste ano e algo entre 52% a 53% do PIB no próximo ano.
Deste modo, acredita-se que o processo de retomada já é incontestável e que está ancorado na recuperação do emprego formal, no aumento da renda e na elevação do consumo doméstico. Para economistas da UFRJ esta combinação seria perfeita não fosse o efeito do câmbio sobre o consumo e a produção domésticos.
Para fechar com “chave de ouro”, o marketing do presidente Lula proclama aos quatro ventos que foi em sua gestão que se conseguiu trazer dois eventos de repercussão internacional para o país: a Copa do Mundo de Futebol e as Olimpíadas.
Pois é! Tudo parece conspirar em favor do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Sem dúvida, se as eleições fossem hoje e ele tivesse direito a um terceiro mandato, seria eleito no primeiro turno, como bem mostram as sondagens de opinião.
Contudo, algumas ressalvas precisam ser feitas. A realização desses dois eventos internacionais custará aos cofres públicos bilhões de reais. Só com a olimpíada, a perspectiva de gasto público é de aproximadamente R$ 30 bilhões. Apesar dos empregos que serão gerados, é complicado imaginar como o governo gastará tanto dinheiro num contexto em que, há mais de duas décadas, o investimento público em infra-estrutura e os gastos sociais (como saúde e educação) têm sido minguados.
Alertas têm sido feitos em vários estudos que demonstram que o país só não teve outro apagão energético e um novo tipo de apagão denominado de “apagão logístico” em função de suas pífias taxas de crescimento econômico. Como o Brasil vem crescendo pouco, desde os anos 90, a demanda por energia e infra-estrutura não é capaz de expor o tamanho do problema, hoje existente, no que diz respeito à infraestrutura e à matriz energética. Sabe-se que uma parcela considerável do custo país se deve a tais questões.
A diminuição da desigualdade deve ser comemorada. Sem dúvida ela é positiva. Mas, a situação social do Brasil é tão crítica que esta melhora se deve a políticas consideradas como paliativas, dado o fato de não ensejarem uma mudança na estrutura sócio-econômica do país. Uma grande parcela na pequena melhora na distribuição de renda se deu em função do programa Bolsa Família e do ganho real no salário mínimo (incontestável no Governo Lula). Contudo, muita coisa precisa ser mudada, pois o índice de Gini do Brasil continua num intervalo considerado de forte concentração da renda.
Um estudo feito pelo IPEA, com base nos dados da PNAD, permite se ter uma idéia desta concentração, no Brasil. O estudo concluiu que um rico gasta em 3 dias o que um pobre leva um ano para gastar. Pior ainda, os ricos perfazem apenas 1% da população brasileira.
Para economistas da UFRJ e Unicamp há uma desindustrialização em movimento em função da forte competição de produtos estrangeiros, sobretudo os chineses, devido à excessiva valorização da moeda brasileira frente ao dólar. De acordo com os economistas das referidas instituições este efeito cambial pode “furar” esse ciclo de crescimento.
Segundo o economista David Kupfer, da UFRJ, a economia brasileira está numa armadilha, denominada de doença holandesa versus doença brasileira. A primeira consiste na excessiva entrada de dólares que inviabiliza a produção, levando à desindustrialização da economia, com uma crescente desarticulação de cadeias produtivas. A segunda é marcada pela heterogeneidade setorial, em que há segmentos industriais desenvolvidos e sofisticados convivendo com outros em decadência.
Assim, o problema do câmbio brasileiro, não enfrentado pelo governo com a devida seriedade, põe em forte risco a indústria do país e todo o resto, já que os demais setores da economia operam em função do movimento da atividade industrial.
Quanto à melhora nos demais dados, é importante frisar que a recuperação vem se dando em várias economias, mas se sabe que esta se apóia em bases extremamente frágeis, pois a situação financeira mundial está longe de ser resolvida.
E, neste final de ano, não poderíamos deixar de desejar aos nossos leitores as maiores felicidades nas datas festivas e no próximo ano que se aproxima. Ao presidente Lula, deixamos um recado: aproveite os bons ventos, porque o futuro é incerto.


Texto escrito por:
Águida Cristina Santos Almeida: Professora do Departamento de Economia e Finanças da Universidade Federal de Campina Grande - UFCG e integrante do PROGEB – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira. 
Email: progeb@ccsa.ufpb.br 

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