A despeito do consenso geral de que a liberdade é um direito básico de todo e qualquer agente econômico, acontecimentos recentes parecem demonstrar que este princípio tem opositores dentro das três principais classes do Modo de Produção Capitalista: os proprietários de terras, o proletariado e a burguesia.
No Brasil, para o cumprimento da primeira etapa de um acordo de desmatamento zero na Amazônia feito com o Greenpeace, os frigoríficos Marfrig, JBS e Minerva anunciaram, no mês passado, que deixaram de comprar gado de 221 fazendas, visto que estas estavam localizadas em terras indígenas, em território destinado à conservação ambiental ou próximas a áreas recém-desmatadas. Além disso, 1.787 propriedades estão sendo avaliadas pelas três empresas. Tais medidas, contudo, não agradaram a Associação de Criadores de Mato Grosso, a Acrimat, que, em nota divulgada nesta quinta-feira, dia 5, afirma que sua assessoria jurídica averiguará a legalidade da ação dos frigoríficos, já que, segundo eles, compete ao Estado fiscalizar a legalidade das propriedades e não aos frigoríficos. O que espanta é que, em nenhum momento, passou pela cabeça da diretoria da Acrimat, antes de quererem impingir a compra da matéria-prima produzida pelos seus associados, que, no regime de propriedade privada, compete aos frigoríficos e a mais ninguém, a decisão sobre a escolha de seus fornecedores.
Na Espanha, o governo, representante político da classe dominante em qualquer regime, estuda uma medida de “incentivo ao emprego”: o corte do seguro desemprego do desempregado que recusar uma proposta de emprego. Tal medida aparece em um momento em que o desemprego espanhol ultrapassou os 20%, sendo a maior taxa entre os países da União Européia. Mesmos que a ação do governo tenha o intuito de combater não só a crise, como também o crescimento do déficit orçamentário, não se pode deixar de lembrar que, dependendo dos termos desta medida, o Estado estará obrigando os trabalhadores a aceitarem empregos que não condizem com o seu nível de qualificação ou até mesmo que não correspondem à sua área de atuação.
Sem ficar para trás no quesito de restrição da liberdade, o movimento sindical brasileiro fez da Convenção 158, aprovada em Genebra pela Organização Internacional do Trabalho, uma das suas principais bandeiras, ao lado da redução da jornada de trabalho. Se aprovada no Brasil, tal convenção impediria as empresas de demitirem seus funcionários sem justa causa. Ou seja, mesmo que não tenham para quem vender a sua produção e queiram tentar evitar a falência com uma redução da produção para uma possível retomada da atividade no futuro, as empresas deverão manter seus funcionários a qualquer custo.
Tais acontecimentos são exemplos de formas de manifestação inusitadas que as contradições de classe podem assumir no Modo de Produção Capitalista e constituem aspectos particulares do quadro econômico atual. Mas, particularidades a parte, a manifestação de uma lei do regime econômico atual, a “Lei Geral de Acumulação Capitalista”, está em evidência na economia dos Estados Unidos. O chefe do escritório do Financial Times em Londres, Edward Luce, em artigo publicado no Financial Times de Washington, constata o esmagamento da classe média americana e a estagnação da renda da grande maioria da população, enquanto cresce substancialmente a renda de uma pequena minoria. Segundo ele, “a renda atual dos 90% de famílias menos bem de vida nos EUA permaneceu essencialmente inalterada desde 1073 – tendo crescido apenas 10% nos últimos 27 anos.” Apesar desta estagnação, “No mesmo período, a renda do 1% das famílias mais ricas triplicou.” Segundo a maioria dos economistas, a tendência que eles denominam de “estagnação do salário mediano” vem se intensificando atualmente. No último ciclo de expansão estadunidense, de janeiro de 2002 a dezembro de 2007, a renda familiar americana mediana diminuiu US$ 2 mil dólares.
Saber diferenciar aspectos particulares e gerais, ou seja, saber diferenciar as leis de desenvolvimento dos fenômenos das suas exceções constitui tarefa primordial de qualquer cientista. Enquanto algumas características do cenário atual são particulares a ele, outras se desenvolvem desde o início do sistema capitalista e, em virtude disto, têm uma evolução extremamente previsível, como a crescente pauperização da população nos EUA.
Antonio Carneiro de Almeida Júnior: Economista, Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Econômico da UFPR, PPGDE/UFPR, e pesquisador do PROGEB - Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira.
Email: progeb@ccsa.ufpb.br
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