quarta-feira, 19 de junho de 2013

A migração de retorno do “tsunami monetário”

Semana de 10 a 16 de junho de 2013


Rosângela Palhano Ramalho [i]



            Caro leitor, bastou o Federal Reserve (Fed), Banco Central dos Estados Unidos, sinalizar o recuo do seu afrouxamento monetário, para que o movimento de volta dos “investidores” ao país ganhasse força. O apetite dos tais “investidores” pelo dólar e títulos americanos novamente despertou, em virtude da elevação dos juros das notas do Tesouro dos EUA.
            Outros eventos estariam contribuindo: a percepção de que a economia americana está se saindo melhor que as demais, a desaceleração dos países em desenvolvimento, a redução dos estímulos à economia japonesa e a desaceleração do comércio mundial. Mas, observando os últimos acontecimentos, a mudança na política do Fed é que tem realmente pesado para este retorno.
            Enquanto o “tsunami monetário” faz o caminho de volta, as moedas dos emergentes desmoronam. México, Chile, África do Sul, Índia, Turquia, Indonésia e Brasil registraram intensa desvalorização de suas moedas e foram obrigados a adotar medidas para protegê-las. O Banco Central da Turquia adotou medidas para atrair capital. A Indonésia aumentou sua taxa sobre depósitos para 4,25% ao ano, visando resguardar o nível de reservas internacionais. A Índia também interviu para proteger a rúpia.
            No Brasil, o Banco Central eliminou o IOF sobre as posições vendidas no mercado de câmbio futuro. Na semana passada, a instituição já havia abolido o imposto de 6% das aplicações de renda fixa.
            A migração constante de recursos pelo mundo nos faz voltar os olhos para o mercado cambial. As moedas nacionais que se transformaram em ativos financeiros são compradas e vendidas em infinitas operações que duram menos de um segundo. Os “investidores” auferem ganhos exorbitantes especulando com as pequenas diferenças existentes entre as taxas de câmbio dos países.
            Este mercado que movimenta volumes monetários gigantescos (estimado em US$ 4 trilhões), quase não é regulamentado, já que seus negócios ocorrem fora das bolsas de valores. Daí, caro leitor, pode-se ter ideia da transparência que está por trás das operações cambiais. Autoridades reguladoras do Reino Unido, que há pouco tempo descobriram as manipulações da taxa Libor pelo mercado financeiro, agora começam a investigar o mercado de moedas. A suspeita é a de que os operadores deste mercado, ao estabelecerem preços diferentes para diferentes clientes, porque gozam de informações privilegiadas, acabam se beneficiando das melhores taxas. Os fundos de hedge seriam os grandes beneficiados neste mercado, em virtude da frequência com que realizam as operações.
            A volatilidade e a desonestidade que alimentam este mercado justificam as intervenções dos emergentes, mas engordam as críticas, que parecem eternas, sobre o “ativismo” econômico destes países. Embasados na teoria das vantagens comparativas do comércio internacional, os defensores do livre comércio e da livre mobilidade de capitais tentam justificar teoricamente que, se deixados livres, os mercados gerariam uma perfeita alocação dos recursos, e todos ganhariam, principalmente os emergentes.
            Há mais de 60 anos, a teoria do comércio foi contestada pelos diagnósticos da Cepal para a realidade latino-americana, que demonstraram que a região não colhera os benefícios prometidos pela teoria tão bem logicamente demonstrada. Mas, surpreendentemente (ou não!), o debate perdura, e, nos anos 90, ganha força a argumentação sobre a livre movimentação de capitais. O economista Delfim Netto reforça alguns dos problemas gerados por este excesso de liberdade: além de o país que recebe os capitais sofrer influência na formação de seu câmbio real, se a taxa de juros real interna é superior a externa, o câmbio não mais determina o equilíbrio entre a entrada e saída da moeda estrangeira. A diferença de juros entre os países e de taxas cambiais tornam-se então o principal atrativo.
            Já que as argumentações teóricas não podem ser sustentadas pela observação da realidade, o que torna os posicionamentos do mercado e de seus defensores claramente ideológicos, parece legítimo que os emergentes encontrem, na política econômica interna, um sistema de proteção a esta nova onda do sistema financeiro.



[i] Professora do Departamento de Economia da UFPB e pesquisadora do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Econ     omia Brasileira. (www.progeb.blogspot.com)

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