Semana de 27 de março a 02 de abril
de 2017
Antonio Carneiro de Almeida Júnior [i]
Recentemente, no dia 17 de março, o Brasil
foi surpreendido com a deflagração da operação “Carne Fraca”, da Polícia
Federal. A investigação sinalizava para a existência de um esquema de pagamento
de propinas por parte de empresas produtoras de carnes a fiscais federais
agropecuários, o que comprometia a qualidade do produto que chegava à mesa do
brasileiro, assim como do que era exportado pelo país. Isso, por sua vez,
afetava diretamente dois grandes grupos envolvidos no esquema: o JBS, composto
por marcas como Friboi e Seara, e a BRF, composta por marcas como Sadia e
Perdigão.
Com o objetivo claro de minimizar o impacto
do escândalo nas vendas para o mercado externo, a ação do governo foi imediata
e intensa. Em matéria publicada no Valor na sexta-feira (31/03) passada,
elogia-se a eficiência de tal ação, que reduziu os reflexos sobre as
exportações. Em menos de duas semanas, já se observavam as primeiras retiradas
de embargos por parte de outros países. Com isso, asseguraram-se tanto os
lucros dos acionistas das empresas, quanto os empregos de muitos trabalhadores,
exaltando o demos – do grego, povo – da democracia brasileira. Uma análise mais
atenta de outras ações do governo, contudo, torna seus propósitos mais claros.
Aprovado no dia 22 de março desse ano pela
câmara dos deputados federais, o Projeto de Lei 4.302 passa a permitir a
terceirização também de atividades-fim, ou seja, a atividade principal de uma
empresa pública ou privada. De acordo com Ribamar Oliveira, colunista do Valor,
uma grande preocupação da área técnica do governo é que a sanção do projeto,
que deve se concretizar, estimule o fenômeno que está sendo chamado de
“pejotização”, ou seja, a demissão, por parte de empresas, de funcionários com
carteira assinada, para a contratação de outros como pessoa jurídica. Esse é o
meio ilegal – por constituir dissimulação de relações de trabalho – que várias
empresas utilizam até hoje para deixar de pagar uma série de direitos
trabalhistas, o que precariza as relações de trabalho. Mas, não é exatamente
com esse detalhe que o governo se preocupa. O problema é que o novo projeto de
lei não especifica a alíquota previdenciária a ser paga pela empresa prestadora
de serviço, especificando apenas que a empresa contratante deve recolher 11% do
valor bruto da nota fiscal como contribuição previdenciária em favor da empresa
contratada. Isso, por sua vez, representa uma redução substancial de receitas
previdenciárias, se comparado ao que se paga hoje, o que compromete a
austeridade.
A verdade é que o governo do presidente
Michel Temer está longe de preocupar-se com os trabalhadores. Desde 2003, o
governo brasileiro publicava semestralmente uma lista de empresas que
exploravam trabalhadores em condições análogas à escravidão. Em 2014, a
publicação dessa lista foi suspensa por uma decisão liminar do Supremo Tribunal
Federal que atendia uma solicitação de uma entidade do setor imobiliário.
Embora essa decisão liminar tenha sido suspensa em 2016, o governo Temer só
voltou a publicar a lista por ter sido obrigado por decisão judicial na
quinta-feira (23/03). O estranho é que, minutos após publicar em seu site uma
lista com 85 empregadores que exploravam 1.231 trabalhadores em condições
semelhantes à escravidão, o Ministério do Trabalho retirou-a do ar, publicando
uma nova com apenas 68 nomes. O ministério justificou a ação dizendo que a
listagem inicial estava errada, pois incluía casos aos quais ainda cabia
recurso. O procurador do Ministério Público do Trabalho, Tiago Cavalcante,
contudo, desmentiu o governo nessa quarta-feira (29/03), com a seguinte
afirmação: “Fizemos uma análise de nomes excluídos e percebemos que essa
explicação não se justifica. Os casos que analisamos, cerca de metade dos
excluídos, já foram até encaminhados à Procuradoria da Fazenda Nacional para a
cobrança de multa. Isso só ocorre quando não cabe mais recurso administrativo”.
Ao que nos consta, portanto, quando se
trata de livrar empresários das consequências de seus delitos, o governo
brasileiro age prontamente e com veemência. No extremo oposto, quando o
trabalhador é vítima de um crime, a ação visa encobertar o caso. A explicação
do que se passa, por sua vez, fica a cargo do presidente da Câmara dos
Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ): “As reformas que reorganizam o Estado
brasileiro e dão segurança ao capital são e serão prioridade do congresso nos
próximos anos”. A ordem do dia é, portanto, dar segurança ao capital e aos
capitalistas, que são sua personificação. O mesmo, contudo, não pode ser dito
acerca dos trabalhadores.
[i] Professor
Substituto do Departamento de Relações Internacionais da UFPB e pesquisador do
Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira.
(www.progeb.blogspot.com).
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