quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

O Capitalismo e a crise atual: arte de destruir o que não existe!

Semana de 08 a 14 de dezembro de 2008


Depois do estouro da “bolha imobiliária” nos Estados Unidos, virou consensual o fato de que, nas últimas décadas, e mais intensamente, anos, houve um descolamento entre o mundo financeiro e o mundo material. O relativo equilíbrio entre os ativos financeiros mundiais (ações, debêntures, títulos públicos, depósitos bancários, etc.) e o PIB mundial foi substituído por uma situação onde os ativos financeiros ultrapassam mais de 3,5 vezes o PIB. Além disso, o fluxo internacional de ativos financeiros passou de US$ 1,1 trilhão em 1990, para US$ 11,2 trilhões em 2007. Pode-se destacar ainda que o crescimento do crédito atingiu uma velocidade muito superior ao aumento da renda e do emprego.
O economista Joseph Stiglitz, prêmio Nobel de economia em 2001, apontou outra inconsistência na dinâmica atual do sistema financeiro, quando destacou que este sistema, nos Estados Unidos, é responsável por parcela considerável dos lucros totais (algo em torno de 30% a 40%) e muito pouco ou quase nada pelo aumento da produtividade.
O mercado de derivativos (mercado onde se intercambiam títulos derivados de outros títulos), até então livre de críticas, passou de anjo a demônio. Sua principal função é negociar “riscos”, ou seja, se um determinado título oferece um risco qualquer (cambial, de taxa de juros etc.), o mercado de derivativos torna possível vendê-lo a outrem que, por sua vez, será remunerado por assumir este risco potencial. Pois bem, o que parecia antes ser a solução de “problemas” para o “bom e harmonioso” funcionamento dos mercados financeiros, agora é tido como uma das causas da catástrofe estabelecida.
O presidente do BNDES, Luciano Coutinho, em Conferência no Rio de Janeiro, destacou que, “da mesma forma que o Ministério da Saúde adverte sobre os medicamentos de alto risco, os derivativos não deveriam ser comercializados sem ostentarem uma tarja preta em sua embalagem”. O ex-presidente do conselho de administração da Bolsa de Nova York, William Donaldson, emitiu uma opinião na mesma direção: “precisamos dar uma boa olhada em alguns instrumentos financeiros criados nos últimos anos, dada a sua toxidade para o sistema”. Ao se referir especificamente aos derivativos, declarou: “eles sequer eram compreendidos pelas próprias pessoas que os criaram”.
Então, o que se tem experimentado é a criação de novos mercados para negociar, apenas e tão somente, papéis e um poder crescente de criação de riqueza por parte da esfera financeira. O fato de uma grande parcela dos valores manipulados nestes mercados guardarem pouca ou nenhuma relação com o processo de geração de riqueza material ou com os aumentos de produtividade têm feito muitos estudiosos denominá-los de riquezas fictícias. De fato, é assim que se deve chamar, pois é exatamente isto o que ocorre, isto é, a autonomia dos mercados financeiros foi capaz de criar uma soma imensa de “dinheiro” que só existe na cabeça dos agentes e é materializada em papéis. É isto que a crise está mostrando agora!
Para se ter uma idéia, as ações de 2.267 empresas, em várias partes do mundo, caíram tanto que passaram a ser cotadas na bolsa por um valor inferior ao dinheiro “vivo” que possuíam em caixa. Este fato curioso é conseqüência da crise mundial ter feito “desaparecer”, este ano, US$ 32 trilhões em capitalização. Isto significa que, “teoricamente”, estas empresas poderiam se recomprar na bolsa!!!
O que está ocorrendo é a destruição de riqueza! O engano dos indivíduos só teria ficado evidente, se, no momento em que os papéis, magicamente do dia para a noite, estivessem em processo de valorização, numa velocidade muito maior que a capacidade produtiva da economia, os agentes tentassem converter-los em meios de consumo materiais, isto é, tentassem transformar o valor de uso ideal do dinheiro em valor de uso material (bens de consumo ou bens de produção). Só assim ficaria claro que aquela riqueza só existia em suas cabeças, pois ocorreria a impossibilidade de todos realizarem suas necessidades de consumo. O resultado seria uma hiperinflação generalizada que teria como finalidade eliminar os consumidores “excessivos”.
Porque isto não ocorre? Porque, enquanto os papéis estão aumentando de valor, ninguém quer convertê-los em poder de compra material. Pelo contrário, quer mantê-los no lugar que irá fazer este valor continuar crescendo num processo que parece ser infinito.
É esta a grande questão! Assim, quando os governos tentam resolver o problema aumentando a liquidez do sistema, eles o estão alimentando e não resolvendo. Em crises anteriores, era necessário destruir capital, na forma de capacidade produtiva e de mercadorias, para que o sistema voltasse a funcionar bem novamente. Nesta, é preciso, antes de qualquer coisa, destruir capital na forma de riqueza imaginária, para que as coisas voltem a fluir. A manutenção da liquidez está impedindo que isto ocorra de forma mais rápida, o que só prolongará a crise ainda mais. Destruir riqueza imaginária não deveria ser simples? Como pode ser tão problemático destruir o que não existe?
A falta ou insuficiência de conhecimento a respeito da essência do fenômeno leva os economistas a darem uma explicação superficial e uma solução que não consegue estancar o problema, apenas muda sua dinâmica ou adia um pouco mais a sua solução (porque, de fato, ele não é corrigível, faz parte do capitalismo atual, assim como a inflação, o desemprego, a concentração de renda etc.). Para esta crise, muitas explicações já foram dadas, mas a solução está longe de ser encontrada. Entre os que arriscam uma explicação é praticamente unânime a afirmação que esta crise é culpa da falta de regulação dos mercados financeiros.
O economista Joseph Stiglitz, por exemplo, ao comentar acerca da falta de regulação adequada no mercado norte-americano, declarou: “isso permitiu que se gastasse muito além da capacidade de pagamento, principalmente na questão da habitação”. William Donaldson, concordando com o pressuposto, afirmou: “boa parte da regulação existente nos Estados Unidos foi criada a partir do crash de 1929. São mecanismos que têm mais de 70 anos e que não dão conta dos novos instrumentos criados pelas instituições financeiras.”
Ao lembrar que os manuais de macroeconomia, nas últimas décadas, têm gasto um considerável número de páginas e argumentos para defender a independência dos bancos centrais, o mais surpreendente foi ver a defesa de Stiglitz no tocante à ampliação do papel destes bancos. Segundo ele: “eles deveriam (os bancos centrais) dispor de vários outros instrumentos. Não é suficiente que sejam orientados apenas ao combate da inflação. È preciso garantir a estabilidade econômica no longo prazo.”
O economista prêmio Nobel de Economia em 2006, Edmund Phelps, reconheceu a impossibilidade de impedir a ocorrência das crises e negou que sua origem fosse de ordem monetária: “não as vejo como tendo uma origem monetária e, portanto, não está claro para mim que devamos olhar para o Fed e demaisbancos centrais como a resposta para as bolhas no preço dos ativos.” Segundo ele as “bolhas” só seriam controladas em economias planejadas e, neste caso, o capitalismo perderia seu dinamismo.
Enquanto se buscam explicações e soluções para o problema, ele se agrava e os indicadores econômicos pioram, ou seja, está se pagando o preço da globalização.
No Brasil, aumentou em 146% o número de empregados demitidos nas indústrias de Caxias do Sul (RS) em novembro, comparativamente a igual mês do ano passado (787 rescisões, ante 320 em novembro passado), a queda dos preços dos grãos poderá levar a uma redução no volume de produção de alimentos, o que resultará em uma nova crise alimentar; o setor imobiliário, embora disponha de liquidez, está sentindo os efeitos da recessão, já que a demanda caiu bruscamente. O presidente da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Confiança (Abecip), Luís Antonio Nogueira de França, está negociando, com o governo federal, medidas que possam dar novo estímulo à demanda para uma retomada nos lançamentos. O governo já anunciou medidas para estimular o setor automobilístico, reduzindo impostos sobre a produção e venda de veículos.
O consumo de energia, um dos termômetros da atividade econômica, já apresentou contração. Praticamente em todos os ramos de produção, houve redução no consumo de energia, com exceção apenas dos setores de mineração, papel e celulose e eletroeletrônicos, os quais apresentaram discretos aumentos. Nos demais ramos, o consumo de energia caiu, com destaque para veículos e peças (-23,79), vidros (23,91), plásticos e borracha (-13,77), materiais de construção civil (-12,59), química e petroquímica (- 12,99).
Na China, as exportações caíram pela primeira vez em sete anos, indicando que a retração dos EUA e do Japão está empurrando para baixo o terceiro maior PIB do mundo. A queda foi de 2,2% nas exportações e 17,9% nas importações no mês de novembro, em relação a igual período do ano passado. Segundo Lu Zhengwei, economista-chefe do Industrial Bank, “os dados são horrorosos. A queda das importações mostra que, além da redução da demanda mundial, a demanda doméstica também está encolhendo com o enfraquecimento da economia.”
Nos Estados Unidos, em novembro, foram cortados 533 mil postos de trabalho, elevando a taxa de desemprego para 6,7%. Esta queda no número já é a maior registrada desde dezembro de 1974. As estimativas mais pessimistas sugeriam uma perda de 350 mil empregos. Até o momento, mais de 1,9 milhão de pessoas ficaram desempregadas. Em conseqüência, os pedidos de auxílio-desemprego atingiram, no começo de dezembro, o maior nível em 26 anos, tendo aumentado em 58 mil pedidos, totalizando 573 mil, com ajuste sazonal. Os pedidos de prorrogação do auxílio-desemprego (pessoas que requisitam o benefício por mais de uma semana) saltaram para 4,43 milhões na semana de 29 de novembro, também o maior volume em 26 anos.
O diretor de pesquisa sobre consumo feita pela Reuters e pela Universidade de Michigan, Richard T. Curtin, declarou: “registramos a maior queda na confiança dos consumidores em toda a nossa história.” Segundo Mark Zandi, economista-chefe da Mood´s Economy.com: “muitos negócios fecharam suas portas em novembro, outras empresas estão lutando para sobreviver e estão cortando mão-de-obra e investimentos em um esforço para economizar. A não ser que o problema de liquidez seja rapidamente resolvido, os grandes cortes de pessoal continuarão no próximo ano.”
No setor imobiliário (princípio de tudo), o total de pagamentos atrasados e a taxa de execuções de hipotecas atingiram um recorde no terceiro trimestre, com perspectiva de piora se o desemprego continuar crescendo e se não forem aprovados os diversos programas para alterar as condições dos empréstimos. A parcela dos contratos de crédito imobiliário com atraso de pagamento de 30 dias ou mais subiu para 6,99%, corrigido sazonalmente, enquanto os financiamentos já em fase de execução de hipoteca subiram para 2,97%. De acordo com a Associação dos Bancos de Crédito Imobiliário dos EUA, ambos os percentuais representam altas recordes numa pesquisa cujo início se deu 29 anos atrás.
Mais trágico é o aumento da inadimplência das hipotecas renegociadas. Simplesmente, quase 53% dos mutuários, cujos contratos de empréstimos foram modificados no primeiro trimestre, estavam com atraso de 30 dias ou mais no pagamento das prestações no terceiro trimestre.
Até as vendas de Natal foram afetadas, uma vez que as vendas de novembro tiveram o pior resultado dos últimos 30 anos, conforme o Conselho Internacional de Shopping Centers. Foram registradas ainda reduções nos gastos da construção civil, quedas nos preços das casas, nos gastos dos consumidores, nos investimentos empresariais e nas exportações.
Companhias de quase todos os segmentos anunciaram demissões no começo de dezembro: a AT&T, companhia de telecomunicações, cortou 12 mil postos; a DuPont, fabricante de produtos químicos, 2,5 mil e a Viaco, companhia de mídia, 850.
No Japão, os últimos dados divulgados no dia 09 de dezembro mostraram que o país entrou mais fundo em uma recessão, tendo o PIB se contraído a um ritmo anualizado de 1,8% no terceiro trimestre deste ano. Grandes empresas asiáticas apertam os cintos: a Sony informou que vai demitir 5% do quadro de funcionários, economizando US$ 1 bilhão; a Samsung Electronics está cortando metas de vendas, investimentos e lucro; a Mitsubishi Motors informou que estará suspendendo a produção em uma planta em Illinois, no próximo ano, por sete semanas, devido a uma queda na demanda.
Tentando contornar a situação, governos do mundo inteiro buscam aprovar pacotes fiscais, pondo em prática o velho-novo receituário keynesiano, apontado como um dos fatores que retiraram a economia norte-americana da Grande Depressão e contribuíram para o longo período de crescimento do capitalismo no pós 2ª Guerra. Agora, não havendo uma 3ª Guerra Mundial, as políticas keynesianas terão a oportunidade de demonstrar quem realmente reavivou a dinâmica capitalista naquele período (Keynes ou a Guerra?). Vamos ver!
O primeiro ministro da Índia, Manmoran Singh, planeja gastar US$ 4 bilhões para recuperar a economia do país, a partir de março, e o Banco Central indiano já reduziu a taxa de juros três vezes em menos de dois meses.
O presidente eleito dos EUA, Barack Obama, considerou os dados acerca do desemprego como dramáticos, o que reflete o agravamento da crise, e planeja aprovar, já em janeiro, um plano de US$ 500 bilhões para gastar parte significativa em obras de infra-estrutura e, assim, recuperar uma parte dos empregos perdidos.
O Japão espera gastar US$ 216 bilhões para ajudar a economia a enfrentar a crise. De acordo com Kaoru Yosano, ministro para Política Econômica e Fiscal: “precisamos implementar políticas para evitar que a economia se desintegre.”
Acompanhando o resto do mundo, o governo da China pretende aprovar um plano de US$ 581 bilhões (4 trilhões de iuanes) em gastos, continuar reduzindo a taxa de juros e desvalorizar mais sua moeda.
Mais um país entrou na lista negra e assumiu estar em recessão; foi o Canadá, que buscando agir contra a crise, reduziu em 0,75 ponto percentual sua taxa de juro básica, ficando esta em 1,5% ao ano, o menor nível em 50 anos. A ausência das crises hipotecária e bancária, no país pareceu uma proteção contra a crise, mas a queda radical nas exportações para os Estados Unidos, particularmente de automóveis e autopeças, combinado com o colapso nos preços de energia e commodities, acabaram com o isolamento da economia.
Enquanto países do mundo todo estimam aprovar pacotes fiscais bilionários e reduzem suas taxas de juros a níveis próximos de zero, o Brasil mantém sua política monetária arrochada, mantendo a taxa de juros em níveis estratosféricos e cada vez mais distantes do mundo inteiro, confiando que a manutenção da liquidez, por parte dos bancos públicos, e o PAC sustentarão a economia. O resultado desta política será certamente agravar a situação do país colocando-o em desvantagem em relação ao restante da economia mundial. Isto fica claro quando se tem em mente que esta política impediu o país de crescer no momento em que a “farra financeira” puxava o crescimento do mundo todo; imagine agora com o mundo em crise! Se a política monetária do Brasil não for revista rapidamente a situação ficará insustentável.

Texto escrito por:
Águida Cristina Santos Almeida: Professora do Departamento de Economia e Finanças da Universidade Federal de Campina Grande – UFCG - e integrante do PROGEB – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira.
progeb@ccsa.ufpb.br

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