Semana de 24 a 30 de
setembro de 2012
Lucas Milanez de Lima
Almeida[i]
Para entender melhor a crise, vamos recorrer a um
conceito criado por um autor que, até 2007, foi considerado ultrapassado, mas,
com a crise econômica, se tornou atual. Segundo Karl Marx, capital é “o valor
em progressão”, aquele que tem como “objetivo de vida” a sua auto expansão.
Isto é possível graças ao trabalhador, que, numa jornada de trabalho, produz
mais riqueza do que aquela que foi gasta com ele, como salário. Esta é a
mais-valia, que é extraída dos trabalhadores no processo de produção. Porém,
para crescer, o capital, além da forma produtiva, tem que assumir as formas dinheiro,
para a compra da fábrica e a contratação dos trabalhadores, e a forma
mercadoria, que é resultado da produção e deve ser vendida para a obtenção de
lucro. Esta é a base da valorização do capital.
O problema é que, junto com esta forma de crescer, surgiram
outras que pouco, ou nada, têm a ver com a criação de riqueza. Em 1894, numa
nota de página no Livro 3 de O Capital, Engels já alertara para as “sociedades
financeiras” que operavam na Bolsa de Londres, ao afirmar que o capital das
empresas havia se multiplicado duas ou três vezes, apenas com a especulação de
títulos.
Segundo o dicionário financeiro, títulos “são papéis
vendidos pelos governos ou empresas ao mercado financeiro para obter recursos
financeiros. Um título é como se fosse um contrato de empréstimo no qual o
tomador do recurso faz uma promessa de pagamento, à ordem da importância
emprestada, acrescida de juros convencionais (estipulados no contrato), caso
este título seja prefixado, e dos juros mais correção monetária, caso seja
pós-fixado”. As empresas emitem vários tipos de títulos (com as mais diferentes
nomenclaturas) para arrecadar recursos que serão destinados à ampliação da
produção. Neste caso, o título representa capital. Porém, nada obriga o
portador a permanecer com ele. Pelo contrário, existem vários tipos de mercados
secundários, onde os papéis são negociados com terceiros, quartos, quintos,
etc. antes do pagamento dos juros combinados, e por um valor diferente do
inicial. Nestes casos, por pura especulação, quando o valor recebido pelo
título é superior ao valor pago inicialmente, ou seja, quando o valor se expande
na compra e venda de papéis, e não pelo recebimento de parte da mais-valia
(juros), surge o capital fictício.
Se, com o título de uma empresa, há motivos para desconfiar
desta valorização fictícia, o que pensar dos papéis emitidos pelos Estados? Os
títulos públicos, em sua maioria, não são emitidos para captação de recursos para
produção de excedente. Estes, a partida, são capitais fictícios, que pagam
juros aos seus proprietários, com os tributos da nação.
Mas, o que faria os agentes econômicos cometerem tais
loucuras? Por incrível que pareça, esta é uma resposta gastronômica: o “apetite
por risco” do mercado. Quando o mercado perde o apetite, há aversão ao risco,
diminui a especulação e há uma corrida para os ativos mais seguros, como
ocorreu com as commodities em 2010, quando os EUA fizeram o segundo
afrouxamento monetário. Quando o apetite cresce, aumenta a especulação. Um
grupo de investidores está com água na boca, à espera do rebaixamento dos
títulos espanhóis ao status de “junk”, que tem alto risco de calote, mas, alto
rendimento.
Que delícia!
O dinheiro destinado a esta atividade vem de várias
fontes: das reservas das empresas, do setor bancário, das pessoas físicas, dos
fundos de investimento, dos fundos de pensão, etc. Por exemplo, a Previ (Caixa
de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil) tem um patrimônio de R$
153,5 bi, sendo sua carteira de ações de R$ 90 bi. As políticas monetárias
expansionistas também têm contribuído com trilhões de dólares para alimentar
esta especulação.
Aqui no Brasil, o “mercado” anda reclamando, pois o
governo não está dando sinais claros sobre a condução das políticas econômicas,
e isto pode se tornar um problema. Referindo-se às medidas de estímulo
econômico, Nogueira Batista, do IBGC, disse que “O governo e as agências
reguladoras precisam aprender a se comportar”, pois, “Tudo o que o governo fala
tem poder direto sobre as ações, gerando ou destruindo valor”. Veja-se, por
exemplo, as perdas superiores a 40% no Ibovespa, de algumas empresas energéticas,
após declarações do governo. É aquela história, “a notícia é tão ruim que perdi
até a fome”.
Se os “investidores” soubessem tudo o que o governo irá
fazer no futuro, eles não teriam surpresa e poderiam aplicar seu dinheiro onde
fosse mais vantajoso para eles: títulos públicos ou especulação.
Coitados dos “investidores”! Apesar de destinar 43% do
orçamento ao pagamento de juros e amortização da dívida pública, o governo é
muito mau com eles.
[i] Professor
do Departamento de Economia da UFPB e pesquisador do Progeb.
(www.progeb.blogspot.com.)
Nenhum comentário:
Postar um comentário